“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito.”. Às vezes eu acho que a cultura pop inteira se baseia neste célebre verso do William Blake. Pensa comigo: Começa que o Blake era um poeta do romantismo, assim como Rimbaud, Baudelaire, Lord Byron e tantos outros. O romantismo e o ultra realismo foram os gêneros literários que mais influenciaram os escritores da Geração Beat. Aldous Huxley, que não era um beatnik, mas foi um grande escritor inglês, usou este verso de Blake para nomear seu estudo sobre mescalina, onde relata suas experiências alucinógenas. Por sua vez, este livro do Huxley inspirou Jim Morrison a escolher o nome de sua banda, além de influenciar desde artistas como Bob Dylan até estudiosos como o controverso neurocientista Timothy Leary. Mas o que realmente une o romantismo dos séculos dezoito e dezenove, experiências alucinógenas, literatura, Jim Morrison e Bob Dylan é a Geração Beat.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se estabelecem como maior potência econômica do mundo. Surge o american way of life, baseado numa sociedade cristã, moralista e conformada. Ou seja, para a maioria das pessoas no país, famílias brancas de classe média, se não faltava comida na mesa, por quê se preocupar com questões como racismo, tabus sexuais e até mesmo filosofia ou questões existencialistas? Pois foi nessa época que alguns jovens que não aceitavam essa postura se conheceram na Universidade de Columbia, em New York. William Burroughs, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Lawrence Ferllinghetti eram todos estudantes aspirantes a escritores que tinham em comum o gosto por autores como William Blake, Rimbaud e Dostoiévsky, além de se ligarem em altas doses de álcool, maconha e muito jazz.
Não é exagero dizer que os escritores beat, principalmente Burroughs, Ginsberg e Kerouac, mudaram o mundo. Seus livros foram tão influentes que é possível nota-los, não só na literatura, como na música e no cinema em obras lançadas 40, 50 anos depois. On The Road, de Jack Kerouac é considerado uma bíblia para onze entre dez hippies que viveram o auge do Flower-Power m 1967. Incluindo aí Jim Morrison, que não era propriamente um hippie, mas tinha o livro de Kerouac como modelo para seu estilo de vida. Bob Dylan, que ajudou a moldar o rock n’ roll como o conhecemos, também era ávido leitor dos beats e chegou a ter uma amizade próxima com Allen Ginsberg.
Mas, talvez o maior ícone desta geração, em especial para o rock n’ roll, seja William Burroughs. A encarnação da contradição, Burroughs descrevia todo o tipo de devassidão, acreditava no caos artístico e era usuário frequente do mais variado cardápio de drogas e alucinógenos. Mas se apresentava sempre num sóbrio terno cinza escuro com colete e chapéu. Era pacifista e libertário, mas tinham em casa uma coleção de armas de fogo. Apesar de seu estilo de vida autodestrutivo, Burroughs viveu até os 83 anos, quando morreu em 1997. Ao longo de sua vida, conviveu com diversos artistas da música, com alguns tendo uma convivência considerável, como foi o caso de Lou Reed e Patti Smith, ou encontros únicos, porém memoráveis como Michael Stipe (REM), Kim Gordon (Sonic Youth), Madonna, David Bowie e Kurt Cobain.
Falar sobre os Beats é missão árdua, pois há tanto o que ser dito e estudado. Em contra partida é extremamente prazeroso notar como genialidade gera genialidade. Assim se conectam Willian Blake, que morreu em 1827 com Kurt Cobain, que morreu mais de 150 anos depois, em 1994, através de uma geração de escritores que, entre uivos, almoços nus e pés na estrada, mudaram o mundo.