Na maior onda!

Na maior onda!

Qual é a obra de arte mais reproduzida de todos os tempos? Alguns poderiam dizer que é a Monalisa, uma das obras primas de DaVinci. De maneira nenhuma é uma suposição descabida. Mas a Monalisa foi muito mais parodiada do que realmente reproduzida fielmente. Talvez a sopa Campbell do Warhol. Acontece que, além de ser uma marca, muito raramente a obra é reproduzida em sua totalidade, ou seja, uma imagem com 32 latas simetricamente enfileiradas, como numa gôndola de supermercado. Claro, também tem o famosíssimo O Grito, de Munch. Mas ele também raramente é reproduzido em sua totalidade, costuma ser recortado, além de ser muito parodiado, tal qual a Monalisa. Por incrível que pareça, a obra de arte mais reproduzida no mundo não é ocidental, e seu autor para muita gente é desconhecido. E você, que é mais espertinho, já se ligou que estamos falando de A Grande Onda de Kanagawa

Pra contar a história dessa obra incrível, se faz necessário dar aquela contextualizada. A Grande Onda de Kanagawa faz parte de um conjunto de 36 xilogravuras conhecidas como 36 Vistas do Monte Fuji, do artista japonês Katsushika Hokusai. Essas obras foram concebidas entre 1829 e 1831. A primeira metade do século XIX foi muito conturbada para os japoneses. A história do Japão é muito interessante e única. O primeiro contato que os japoneses tiveram com os europeus foi em 1542, quando os portugueses dominavam as explorações marítimas. Os portugueses logo encheram a ilha de jesuítas, com a intenção de catequizar os japoneses e criar mais uma colônia. Mas deu errado. Os japoneses eram ótimos guerreiros e enxotaram os jesuítas de lá. O ótimo filme Silêncio, do Martin Scorsese, retrata bem esse período. Já no início do século XVII o governo japonês executou sem dó nem piedade milhares de japoneses que haviam se convertido ao cristianismo e fecharam seus portos para o resto do mundo. Era o início do xogunato, que manteria o Japão isolado do mundo por 250 anos. 

36 Views of Mount Fuji – #3 Rainstorm beneath the Summit (Sanka haku-u) – Katsushika Hokusai (1831)

No começo do século XIX as principais potências do mundo, interessadas em fazer negócio e ganhar dinheiro, claro, começam a forçar o governo japonês a abrir seus portos. Alguns japoneses mais ricos começam a viajar para a Europa, e voltam influenciados pela cultura ocidental. Com a aristocracia, e consequentemente o governo, dividida entre conservadores e entusiastas da ocidentalização, os Estados Unidos aproveitam para realizar uma invasão em 1854, que forçou o governo a abrir portos e assinar tratados de mercado com vários países. Claro que a população ficou dividida e houveram conflitos internos, mas acabou que a tal ocidentalização rolou mesmo, e ficou conhecida como Revolução Meiji. E se você ligou esse período histórico com o filme O último Samurai, protagonizado pelo Tom Cruise, acertou de novo! Tá, mas e daí? Onde a onda entra nessa história toda? 

Na década de 1820 se intensificam as viagens de japoneses para o ocidente. Nosso querido Katsushika Hokusai acaba sendo diretamente impactado por isso. Nessa época ele já era um artista plástico, conhecido no Japão, tinha mais de 60 anos de idade. Sempre foi conhecido pelo experimentalismo e por conhecer profundamente a arte japonesa e chinesa. Não há registros de que ele próprio tenha ido para a Europa, mas sabe-se que ele teve contato com obras de Goya, Delacroix e outros pintores europeus naquele início do século XIX. E os traços fortes e sobretons dessas obras o deixaram cheio de ideias. O lance é que a pintura no Japão era tradicionalmente feita através da ukiyo-e, também conhecida como xilogravura. Uma técnica que não permite explorar sobreposição de tonalidades de cores e diferentes traços e contornos com facilidade. A ukiyo-e inicialmente era feita somente em cor preta. No fim do século XVIII alguns artistas desenvolveram técnicas para fazer obras coloridas. E Hokusai conseguiu desenvolver ainda mais tais técnicas, permitindo variações de tons e sombreamentos. 

36 Views of Mount Fuji – #1 Under the Wave of Kanagawa (Kanagawa-oki nami-ura) – Katsushika Hokusai (1831)

Essa tradição de ukiyo-e era muito popular e muito barata. Afinal, basicamente, a xilografia é uma técnica de reprodução, à partir de uma matriz de madeira. Ou seja, você entalha um desenho numa placa de madeira, passa a tinta, coloca um papel por cima e pronto. Tal qual um carimbo, o desenho está no papel e pode ser comercializado facilmente. Voltando ao contexto histórico, inevitavelmente, essas xilogravuras começaram a chegar na Europa, e a agradar muito. A Grande Onda de Kanagawa acabou chamando a atenção não só dos japoneses, mas também de muitos artistas na Europa. Afinal, Hokusai elaborou uma cena congelada, mas cheia de movimento e tensão. O tom escuro do azul do mar, a crista da onda como garras de um monstro, os minúsculos pescadores em seus barcos e, ao fundo, o Monte Fuji. Uma obra impressionante. Tão impressionante que acabou influenciando o movimento impressionista europeu, de Monet, Renoir, Degas e etc. 

Realmente A Grande Onda de Kanagawa deve ser mesmo a obra mais reproduzida do mundo. Não só por estampar canecas, tênis, carteiras, capas de cadernos, chaveiros, mochilas, camisetas e mais uma infinidade de produtos. Mas também por se tratar de uma xilogravura. Estima-se que da matriz de madeira original entalhada por Hokusai tenham sido impressas mais de 5 mil gravuras. E é justamente o fato de não ser uma obra única, numa parede de museu, que faz dela uma obra tão famosa mundialmente, e, em contra partida, faz com que seu autor não seja tão conhecido assim. A xilogravura, de maneira geral, tem essa característica tão importante, de tornar uma obra de arte acessível a muitas pessoas a custos muito baixos. Tanto é que aqui mesmo, no Brasil, a xilogravura teve um papel fundamental na concepção e popularização de uma arte multimídia e muito original, a cultura de cordel do nordeste brasileiro. 

36 Views of Mount Fuji – #5 Surugadai in Edo (Tôto sundai) – Katsushika Hokusai (1831)

A Grande Onda de Kanagawa, do mestre Hokusai, é tão genial, carrega uma história tão acachapante, está tão entranhada na iconografia da cultura pop, que é uma onda irresistível de se mergulhar. E ninguém surfa melhor entre as ondas da arte e da cultura pop do que a Strip Me. Entre um tubo, uma cavada e um floater, a Strip Me apresenta camisetas com estampas originais e super descoladas inspiradas em obras de arte, ícones da cultura pop, além de cinema, música e comportamento. Então descansa essa prancha na areia e vem dar uma olhada nos últimos lançamentos na nossa loja

Vai fundo! 

Para ouvir: É onda que você quer, então é surf music que você vai ter. Uma playlist caprichada no que há de melhor na surf music. Surf top 10 tracks

Para assistir: Apesar de O Ùltimo Samurai, lançado em 2003, ser um filme bem divertido e retratar a época em que A Grande Onda de Kanagawa foi produzida, o filme Silêncio, de Martin Scorsese, lançado em 2016, é muito mais recomendável! Um filmaço, denso e plasticamente muito bonito! Vale a pena demais! 

Para ler: Ainda na cultura de samurais e do Japão feudal, a recomendação aqui é a obra prima de Frank Miller, a brilhante graphic novel Ronin. Uma história envolvente que liga o Japão feudal com uma New York suja e violenta, com desenhos absurdos de bons! Leitura fundamental! 

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