A convite do pessoal da Strip Me, arrisco hoje alguns palpites sobre o tema cinema. Para fazer um recorte com o qual me sinta mais tranquilo para comentar, propus um foco sobre o cinema europeu e alguns de seus grandes protagonistas. Afinal, não há como falar em Sétima Arte sem prestar tributo a seus primeiros entusiastas.
O cinema como parte das expressões humanas, na forma como o conhecemos hoje, tem raízes nos primeiros anos do século 20, nas idéias ficcionais do francês George Meilés em sua obra A Viagem à Lua, de 1902.
A partir daí começamos a ver essa arte ganhar corpo e o mundo, levando pessoas a novos lugares – mesmo que sem sair do lugar – e as colocando frente a novas questões, tanto na esfera social quanto no âmbito do indivíduo e suas questões existenciais.
E é nesse último ponto que quero me ater: indicar algumas obras com berço no Velho Continente que marcaram pela forma como expõem a relação do homem com suas questões internas e de que forma o resultado disso o condiciona na sua relação com os demais indivíduos.
Desnecessário dizer – como ficará fácil de ser observado – que meio as grandes guerras mundiais, a temática seja recorrente e fonte de inspiração para abordar boa parte das questões citadas no parágrafo anterior.
Segue ai mais uma lista de ‘10 indicações que valem a pena…’.
O Encouraçado Potemkin (1925)
Direção: Sergei Eisenstein
Apesar de se tratar de um filme pago pelo governo de Stalin para dar apoio ao regime comunista, a dramaticidade que Eisenstein imprime ao retratar a rebelião de um navio de marinheiros russos, em 1905, contra o czarismo de Nicolau II, é realmente marcante.
Mesmo mudo, o filme impressiona pela capacidade com que transmite em forma de arte a insatisfação de um povo com um governo centralizador e restritivo, alheio ao sofrimento coletivo.
Para muitos a grande obra prima do cinema, O Encouraçado Potemkin já mostrava, logo no início do século 20, o potencial da Sétima Arte.
Metrópolis (1927)
Direção: Fritz Lang
Talvez o grande nome do movimento que ficou conhecido como Expressionismo Alemão, Fritz Lang – que na verdade era austríaco – mostra em uma visão futurista para a época a evolução das lutas de classe no então longínquo ano de 2026.
Enquanto a classe dominante residia no ‘Jardim dos Prazeres’, na superfície, os trabalhadores se amontoavam no subsolo da cidade, sem condições mínimas e escravizados.
O filme também dá conta da intenção capitalista de substituir homens por máquinas nas produções e a capacidade de robôs adquirirem características humanas.
Trata-se da típica abordagem do Expressionismo Alemão, retratando em formas sombrias e pessimistas o cenário desolador na Europa após a Primeira Guerra Mundial.
Um Cão Andaluz (1929)
Direção: Luis Buñuel
Uma mistura de realidade e sonho com uma larga dose de surrealismo. É o que se poderia esperar do filme que apresentou ao mundo o espanhol Luis Buñuel, neste curta em uma parceria memorável na criação da história com ninguém menos que Salvador Dali.
Trata-se de uma daquelas obras que valem mais pela estrutura inovadora e seu caráter artístico do que por qualquer lição que se possa tirar da história. Mesmo porque o filme tem rupturas tão recorrentes de continuidade que dão um ar de ‘cada um entenda como quiser’.
Ladrões de Bicicleta (1948)
Direção: Vittorio de Sica
Também em um contexto pós-guerra – Segunda Guerra Mundial –, o italiano Vittorio de Sica retrata em Ladrões de Bicicleta a devastação social e econômica a qual grande parte da Europa foi submetida após o fim dos conflitos (ao menos os físicos).
Um pai de família, por anos desempregado, consegue trabalho como colador de cartazes. Contudo, tem sua bicicleta roubada – requisito para ficar com o emprego – e se vê não apenas em uma luta pessoal pela recuperação do bem que lhe permite o sustento, mas também contra o desespero de voltar a levar a vida que tinha.
Mais um filme da primeira metade do século 20 que retrata de forma muito direta as relações entre o capital e o proletariado, e precariedade da situação gerada por essa disputa desigual.
O Sétimo Selo (1957)
Direção: Ingmar Bergman
De forma teatral, o sueco Ingmar Bergman mostra em O Sétimo Selo o mundo do século 14 destruído pela peste, onde pessoas descrentes duelam em uma batalha perdida contra a morte.
Ao retornar à sua vila após longas cruzadas, um cavaleiro se depara com a situação de caos instalada pela doença e fica frente a frente com a morte, que veio para lhe buscar. Começa então um desafio metafórico – definitivamente um dos grandes momentos do cinema – entre os dois a ser resolvido sobre o tabuleiro de xadrez.
Uma trama complexa e existencialista que para alguns faz uma alusão clara ao temor nuclear que se instalou após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Os Incompreendidos (1958)
Direção: François Truffaut
Tida como a obra que mostrou ao mundo o movimento Nouvelle Vaugue – um chamado ao cinema mais barato e intimista –, Os Incompreendidos mostra um pouco da história do próprio Truffaut, na figura de um jovem parisiense com problemas familiares e que não se ajustava a autoridade escolar.
Desacreditado, acaba cometendo pequenos crimes para sobreviver e vai para um reformatório. Os problemas de um adolescente meio a um mundo em reconstrução deram o tom a uma das maiores obras já produzidas pelo cinema francês.
Acossado (1960)
Direção: Jean-Luc Godard
Também parte do movimento de renovação cinematográfico francês, Godard dá mais um passo no Nouvelle Vaugue com Acossado, tratando um pouco sobre a invasão da cultura americana na Europa pós-guerra.
Com uma linguagem cinematográfica bastante diferente do que se costumava usar na época, ele mistura tendências e revela em arte um pouco do resultado gerado a partir desse encontro mais próximo entre as culturas.
Tudo isso tendo como escopo central os diálogos entre um casal (um francês e uma estudante norte-americana residente em Paris) que vê sua relação se estreitar meio a um plano de fuga para a Itália, após se envolverem no assassinato de um policial.
8 e meio (1963)
Direção: Federico Fellini
8 e meio foi a saída genial que Federico Fellini encontrou para sua momentânea falta de inspiração. Parece contraditório que um lapso de ausência de criatividade tenha rendido ao mundo uma das películas mais consagradas da história do cinema, mas foi exatamente assim que aconteceu.
O diretor italiano tinha um elenco, os recursos necessários, mas lhe faltava um roteiro. Então ele projetou seu alter ego no protagonista do filme, interpretado por Marcello Mastroianni, um diretor de cinema pressionado pela imprensa e pelos produtores a concluir um filme que ainda não existe.
De forma interativa, a impressão que se tem é que a película vai se criando ao desenrolar da obra meio a sonhos, delírios e um pouco de mundo real.
Solaris (1972)
Direção: Andrei Tarkovsky
Como boa parte da produção de Tarkovsky, Solaris mistura em sua receita filosofia e ficção científica. Adaptado de uma obra de mesmo nome, o filme se passa em uma estação que orbita o planeta Solaris.
Em cenas longas, com poucos diálogos e muita densidade, Tarkovsky explora a degradação do homem em um mundo em decomposição, minado pelo capital e ao mesmo tempo cético sobre a validade das respostas científicas.
Tudo isso protagonizado por tripulantes que parecem perder a lucidez meio as recorrentes aparições de figuras de seus passados no ambiente da estação espacial. Uma trama extremamente complexa que faz valer a fama do diretor soviético.
Saló ou Os 120 dias de Sodoma (1974)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Extremamente engajado com as causas dos movimentos sociais, tendo inclusive participado do Partido Comunista na Itália, não é de se espantar que as obras de Pasolini tenham um grande peso ativista.
Em Os 120 dias de Sodoma o diretor italiano faz uma adaptação da obra do Marques de Sade em que retrata os dias derradeiros e violentos do decadente modelo Fascista – a serviço das vontades da Alemanha nazista – após o final da Segunda Guerra Mundial.
Em cenas fortes, Pasolini retrata um pouco do lado perverso do ser humano. Sexo, humilhação e torturas dão o tom do conturbado e chocante enredo que se passa em uma mansão no norte da Itália.
Então é isso. Dicas pertinentes para você que curte cinema. Vale ressaltar que ação não é o grande apelo dos filmes listados. Então o ideal é estar bem disposto para assistir e não correr o risco de ir para o ‘mundo dos sonhos’ nos primeiros 15 minutos.
por Gustavo Castello Branco
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