O Brasil tem um histórico notável de festivais de música, todos com momentos inesquecíveis. A Strip Me mostra hoje que nem só de Rock in Rio e Lollapalooza vive o brasileiro.
Juntar vários artistas num mesmo palco não é um negócio novo. Muito antes da contra cultura hippie, Woodstock e etc, já rolavam as caravanas de artistas, que viajavam de cidade em cidade tocando em feiras agropecuárias e quermesses de igrejas. Isso tanto na gringa como aqui no Brasil. Vamos lembrar que nos anos 50, umas dessas caravanas no sul dos Estados Unidos carregava Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley. Mas, sim, o conceito de festival de música como a gente conhece hoje, nasceu ali nos anos 60. Já falamos sobre isso aqui no blog, num texto bem legal sobre o Woodstock, que você pode ler aqui. No Brasil não foi diferente. Do mesmo jeito que rolavam as caravanas, que reuniam Inezita Barroso, Chitãozinho e Xororó e outros artistas, também nos anos 60 os hippies tupiniquins organizaram um mega festival, o nosso Woodstock, a ser realizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Batizado de Festival da Primavera, e carinhosamente apelidado de Ibirastock, o rolê estava marcado para os dias 15 e 16 de novembro de 1969. Porém, os militares fizeram com que o festival fosse cancelado dias antes. O que sobrou, e foi amplamente reproduzido, se tornando item de decoração, foi o cartaz psicodélico criado pelo artista Antonio Peticov.
Mas a história do Brasil com festivais de música vai muito além da ditadura militar. Antes do Ibirastock, os festivais realizados pelos canais de televisão já geravam um fuzuê danado tendo cenas antológicas como Gilberto Gil e Os Mutantes tocando Domingo no Parque, o bossanovista Sérgio Ricardo full pistola espatifando seu violão, Caetano Veloso cantando É Proibido Proibir e fazendo um discurso indignado contra o público, gritando “Vocês não entendem nada! Nada!”… enfim, isso tudo, é claro, até 1968, quando o AI 5 foi decretado e a censura se instaurou de vez, culminando no cancelamento dp Ibirastock. Porém, dali em diante, a contra cultura, músicas de protesto e a cultura pop em geral faziam com que artistas e bandas seguissem produzindo e nunca faltou quem quisesse fazer um festivalzinho aqui e ali. Até que, em 1975, finalmente rolou o Festival de Águas Claras, e o Brasil nunca mais ficou sem ter um festival de música rolando. Hoje a Strip Me relembra os festivais mais importantes que rolaram por aqui, mas que não existem mais.
Festival de Águas Claras
Os hippies brasileiros finalmente conseguiram ter seu Woodstock em 1975, graças aos esforços de um estudante de engenharia e amante da música, que resolveu realizar um festival na fazenda de sua família, na pequena cidade de Iacanga, no interior de São Paulo. Entre o cancelamento do Ibirastock em 1969 e o Festival de Águas Claras, outros festivais até rolaram, mas com pouca expressão e muita repressão. O jovem organizador do Festival de Águas Claras, era bem articulado e tinha boas conexões. Usou isso em seu favor e conseguiu autorizações do DOPS e outros orgãos de censura para realizar o festival. A primeira edição, em 1975, contou com várias bandas de rock como O Som Nosso de Cada Dia, Os Mutantes, O Terço e outros. A segunda edição foi a mais bem sucedida, aconteceu em 1981, quando já havia começado a abertura política da ditadura. Contou com um line up mais variado e estrelado, com nomes como João Gilberto, Gilberto Gil, Alceu Valença, Raul Seixas, Luiz Gonzaga e muitos outros. O festival ainda contou com duas outras edições, em 1983 e 1984, mas sem a mesma qualidade. A crise econômica e um certo amadorismo que, no início dava certo charme ao festival, acabaram atrapalhando. No ano seguinte veio o Rock in Rio e elevou o nível de maneira tão radical, que desanimou os organizadores a produzir novas edições.
M2000 Summer Concerts
O que se pode dizer, logo de cara, sobre o festival M2000 Summer Concerts, é que foi um baita evento ousado. Organizado pela então muito popular marca de tênis M2000, foi um festival emblemático porque levou essa estrutura de grandes festivais para o litoral, para cidades que, com exceção do Rio de Janeiro, não estavam habituadas a receber eventos daquele tamanho. Além do mais, os shows foram de graça, na areia da praia. E, para completar, os shows rolaram entre janeiro e fevereiro de 1994, época em que rolava em São Paulo e no Rio o legendário Hollywood Rock. O M2000 Summer Concerts rolou em 4 cidades do litoral: Santos, Rio de Janeiro, Florianópolis e Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. O festival contou com nomes internacionais de peso como Three Walls Down, Chaka Demus, Shabba Ranks, Fito Paez, Helmet, Rollins Band, Lemonheads e Mr. Big. O M2000 Summer Concerts ficou marcado por ser o primeiro festival de grande porte a levar milhares de pessoas para praia para curtir shows de graça. Também tem sua importância por ter sido o primeiro palco grande onde se apresentaram Chico Science & Nação Zumbi e também os Raimundos, que em seguida ganhariam notoriedade nacional.
Claro Q É Rock!
Em 2004 a empresa de telefonia Claro, com a intenção de fortalecer sua marca, resolveu promover um festival de música. A organização acertou a mão ao se concentrar num nicho que era muito pouco levado em conta nos line ups dos principais festivais, o rock e pop alternativo. A grande atração do evento foi a banda Placebo. O festival rolou em São Paulo e teve uma aceitação imensa do público. O que motivou a empresa em investir ainda mais no ano seguinte. A segunda edição do Claro Q É Rock, em 2005, foi realmente memorável com Iggy Pop, Sonic Youth, Flaming Lips, Fantômas, Good Charlotte e Nine Inch Nails. Um line up nunca antes visto, juntando tudo quanto é tipo de gente. O festival rolou na Chácara do Jockey, em São Paulo, no final de novembro, época de muita chuva. Mas o lamaçal não atrapalhou e o que se viu ali foram shows realmente inesquecíveis. Destaque para Mike Patton a frente dos Fantômas destilando bizarrices sonoras, mas também tocando um ou outro clássico do Faith no More, o vocalista dos Flaming Lips dentro de uma bolha rolando acima do público, Iggy Pop incansável fazendo mosh e chamando o público para invadir o palco e o Nine Inch Nails com um show absurdamente pesado e recheado de hits. Infelizmente, o festival parou por aí, mas deixou sua marca na história.
Planeta Terra Festival
Em 2007 o grupo de telecomunicação Terra Network resolveu entrar na onda dos festivais de música para alavancar sua marca entre os jovens. Malandramente, a organização acabou indo na mesma onda do Claro Q É Rock, que causou tanto furor em 2005. Na sua primeira edição, trouxeram nomes como Kasabian, Lily Allen e os mega influentes Devo. A fórmula funcionou muito bem. Tanto que o festival, a cada ano trazia pelo menos um nome desses, que é super importante e influente, mas não necessariamente tão popular. Assim, em 2008, trouxeram os papas do shoegaze The Jesus and Mary Chain, em 2009 Iggy Pop & The Stooges e Sonic Youth, em 2010 Smashing Pumpkins e Pavement, em 2011 The Strokes e Beady Eye, em 2012 Garbage e Kings of Leon e em 2013 Blur e Lana DelRey. Em 2014 a organização do festival anunciou que por conta da Copa do Mundo no Brasil e das eleições presidenciais, o evento não iria acontecer, mas prometeram que voltaria em 2015. O que nunca aconteceu. Ficamos orfãos de um dos festivais mais legais que já passaram por aqui, com line ups sempre surpreendentes.
Skol Beats
Sacando que nem tudo nessa vida é rock e de olho na alta popularidade que a música eletrônica e a cultura DJ tinham na virada do milênio, a cervejaria Skol decidiu realizar um festival de música eletrônica para promover sua marca.. Sua primeira edição aconteceu no ano 2000 e cobriu todos os estilos que estavam bombando na época como Jungle, Drum ‘n’ Bass, Trance, House e o Techno, trazendo nomes de peso como Paul Oakenfold, Armand van Helden, Frankie Knuckles, Bob Sinclar, DJ Rap, Fabio, Optical, Green Velvet, Stacey Pullen, além de nacionais como DJ Marky, Anderson Noise e Mau Mau. O Skol Beats rolou todo ano, de 2000 a 2008, na cidade de São Paulo e, nesse período se consolidou como o maior evento de música eletrônica da América do Sul. O festival nunca parou de crescer em seus 9 anos de existência. Portanto, todo mundo recebeu com surpresa a notícia de que a Skol estava cancelando a realização do festival de 2009 em diante, pois a marca não queria mais se envolver na realização de grandes eventos, mais sim patrocinar shows e eventos menores. Até hoje estamos tentando entender essa lógica e morrendo de saudade do festival Skol Beats.
SWU
O SWU foi um festival sem precedentes no Brasil. Idealizado por um publicitário e realizado por um grupo diverso de pessoas, o SWU Music & Arts Festival uniu a importância de se discutir a sustentabilidade com manifestações artísticas e música. Realizado no interior de São Paulo, o festival contava com uma infra estrutura que condizia com o seu ideal, utilizando geradores de energia movidos a biodiesel, por exemplo. Além de promover palestras e fóruns sobre sustentabilidade, o SWU, sigla para Starts With You, trouxe grandes nomes da música em suas duas edições. Trouxe pela primeira vez ao Brasil Rage Against the Machine, Lynyrd Skynyrd e Stone Temple Pilots, além de grandes nomes como Pixies, Faith No More, Alice in Chains, Dave Matthews Band, Regina Spektor, Joss Stone, Black Eyed Peas, Queens of the Stone Age, Linkin Park, Duran Duran… olha, foram realmente duas edições memoráveis, ocorridas em 2010 e 2011. Não se sabe a razão pela qual o festival deixou de ser realizado. Especula-se que o crescimento e surgimento de cada vez mais festivais no país, ou seja, a concorrência cada vez maior, fez com que os organizadores desistissem do projeto.
Free Jazz Festival/Tim Festival
A empresa de cigarros Souza Cruz se aventurou no negócio de festivais de música modestamente em 1975, dando origem a um dos festivais mais importantes da história do Brasil, o Hollywood Rock, que naquele ano foi idealizado pelo escritor Nelson Motta. A experiência não foi das mais positivas. Até que em 1985, com o sucesso do Rock in Rio a marca resolveu investir nesse ramo mais uma vez. Porém, preferiu se distanciar do rock, até para evitar comparações com o Rock in Rio, e foi criado o Free Jazz Festival. Além de trazer uma das marcas mais populares da empresa, o nome deixava claro que o foco era o jazz, mas havia liberdade para que outros estilos comparecessem. O festival rolou anualmente de 1985 a 2001, sendo que em apenas 1990 o evento não aconteceu por conta da crise econômica causada pelo famigerado Plano Collor. O Free Jazz fez história pelo seu ecletismo e grandes nomes da música que trouxe para tocar no Brasil, de Chet Baker a Fatboy Slim, passando por Ray Charles, Nina Simone, John Lee Hooker, Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Albert King, Bo Diddley, Chuck Berry, James Brown, BB King, Stevie Wonder, Jamiroquai, Isaac Hayes, Bjork, Jeff Beck, Ben Harper, Sean Lennon, Manu chao, Belle and Sebastian… realmente eram line ups admiráveis. Em 2003, uma das prerrogativas da lei antitabagista aprovada pelo governo era que marcas de cigarro não poderiam patrocinar eventos culturais. Assim, a organização do festival passou para as mãos da empresa de telefonia Tim, passando a se chamar Tim Festival. O Tim Festival seguiu a mesma linha do Free Jazz, dando maior ênfase ao jazz, à música eletrônica e alternativa. Sob o nome Tim festival, ao longe de suas 6 edições, entre 2003 e 2008, vieram ao Brasil nomes como The White Stripes, Public Enemy, Kanye West, Cat Power, Arctic Monkeys, The Killers, Herbie Hancock, Patti Smith, Daft Punk, Arcade Fire, Wilco, Libertines e muito mais. O festival encerrou as atividades por conta da crise financeira de 2008, e nunca mais voltou.
Hollywood Rock
Pois é, como já foi dito acima, a primeiríssima edição do Hollywood Rock foi organizada pelo Nelson Motta em 1975, e a Souza Cruz entrou como patrocinadora, mas não deu pitaco na organização do festival, que contou apenas com artistas brasileiros. O evento rolou no estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro, e foi marcado por muitos problemas técnicos, aparelhagem ruim e muita chuva. Mesmo assim, shows de Raul Seixas, Mutantes, Rita Lee & Tutti Frutti, o Peso e Vímana foram marcantes. Em 1988, com o Free Jazz dando bons resultados, a marca resolveu investir no Hollywood Rock, mas agora tendo mais autonomia sobre a organização. Com o know how do Free Jazz nas costas, trouxeram grandes atrações como UB40, Simply Red, Duran Duran e Supertramp. Foi um sucesso. Em 1989 o festival não rolou, por conta da caótica campanha para eleições presidenciais. Em 1990 o Hollywood Rock se consolidou de vez ao trazer Bob Dylan, Marillion e Bon Jovi, que estava no auge de sua carreira. Em 1992 seguiu trazendo grandes nomes e proporcionando uma estrutura cada vez melhor. Os destaques daquele ano foram EMF, Seal, Living Colour, Skid Row e Extreme. 1993 foi o ano mais emblemático do festival. O ano do grunge, cujo line up trazia L7, Alice in Chains, Red Hot Chilli Peppers e, é claro, Nirvana. O show do Nirvana em São Paulo é considerado o pior show da banda, já o do Rio de Janeiro entrou para história por Kurt Cobain ter cuspido nas câmeras da Rede Globo e exposto suas partes íntimas. A passagem do Nirvana pelo Brasil graças ao Hollywood Rock rendeu diversas histórias que serão lembradas para sempre, como a noitada de Cobain com João Gordo por São Paulo e o bilhete que Kurt escreveu para Arnaldo Baptista, mostrando ser fã dos Mutantes. Depois disso, o festival ainda durou por mais 3 anos. Em 1994 trouxe Ugly Kid Joe, Poison, Aerosmith e Robert Plant, em 1995 recebeu a tour Voodoo Lounge dos Rolling Stones, tendo Spin Doctors como banda de abertura e em 1996 trouxe Page & Plant, The Cure, Smashing Pumpkins, Supergrass e Black Crowes. Com as primeiras leis antitabagismo circulando a partir de 1997, a Souza Cruz precisou fazer cortes de custo e optou por manter o Free Jazz e cancelar o Hollywood Rock.
Poucas coisas são tão divertidas quanto estar num festival de música, curtindo com a turma shows de seus artistas favoritos. Por isso a Strip Me faz questão de celebrar os festivais que fizeram história no Brasil e, é claro, também os festivais que ainda estão por aí gerando grandes momentos e memórias. Se você, assim como nós, é apaixonado por música, precisa conferir a nossa coleção de camisetas de música. Mas não só isso, para os melhores rolês e festivais, temos ainda camisetas de arte, cultura pop, cinema, bebidas e muito mais. Passa lá no nosso site e aproveita para ficar por dentro de todos os nossos lançamentos, que pintam toda semana.
Vai fundo!
Para ouvir: Uma playlist no talo com músicas gravadas ao vivo de bandas que passaram pelos festivais aqui citados! Festival top 10 tracks.
Para assistir: Vale a pena conferir na Netflix o ótimo documentário O Barato de Iacanga, que conta a história do Festival de Águas Claras, o Woodstock brasileiro.