Olha, se Deus é brasileiro a gente não sabe. Mas que Lavoisier nasceu no lugar errado, isso não há dúvida. Porque se tem uma coisa que brasileiro manja muito é transformar as coisas. A frase mais famosa dele devia ser assim: “Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, principalmente no Brasil.”. Aqui nós fritamos o sushi, fizemos o cheque pré-datado, desenvolvemos o futevôlei, levamos pipoca do supermercado pra comer no cinema, temos pelo menos 14 feriados por ano… é muita coisa! Mas tem uma coisa genuinamente brasileira, que foi desenvolvida e sendo transformada ao longo do tempo, que é certamente um dos maiores patrimônios do país. Um espaço absolutamente livre e democrático, onde a percepção de tempo e espaço é distorcida, onde cheiros e sabores, de procedência muitas vezes desconhecida, são inebriantes, onde todo mundo tem lugar de fala, falando alto na maioria das vezes e onde aquele líquido amarelo-ouro reluzente, servido gelado num copo americano ou numa tulipa é o agregador mais eficiente do mundo. Se você ainda não entendeu, pode passar a régua, pagar a parcial e sair da mesa! Afinal, estamos falando do boteco!
A história da cerveja você certamente já conhece, pelo menos superficialmente. Vem lá dos sumérios seis mil anos atrás, que fermentavam cereais e bebiam, dava um barato gostoso, depois vieram os monges, a lei de pureza alemã… e cá estamos. Agora, o boteco, este templo dionisíaco simplificado, este capeta em forma de guri, veio sendo moldado ao longo do tempo. Lá na Grécia Antiga, tempo dos filósofos como Aristóteles e Platão, ainda não existia nada parecido com o conceito de bar. Os homens se reuniam em casa mesmo, convidavam a turma para tomar vinho e falar sobre filosofia, esportes (lembre-se que os jogos olímpicos nasceram lá) e outros assuntos. Eles chamavam essas reuniões de “symposium”, e devia ter uma aura bem parecida com o boteco. Depois a palavra acabou sendo designada para encontros acadêmicos para estudos. Sempre tem uns nerds pra desvirtuar o rolê… enfim. Já na idade média, as hospedarias e estalagens onde pernoitavam mascates, caixeiros viajantes, marinheiros e etc sempre tinham um salão onde eram servidas refeições e bebidas. Com o tempo, esses lugares passaram a se tornar populares entre cidadãos que queriam se embriagar, descolar um rabo de saia e até mesmo conspirar contra o reino sem chamar a atenção. Algumas dessas hospedarias passaram a abandonar esse negócio de hospedagem e passaram a só servir bebida e comida. Surgem as tavernas, que evoluíram para os bares.
Mas, convenhamos, bar ou pub nenhum no mundo se compara ao nosso bom e velho boteco. Que, é claro, tem uma origem peculiar. Até a chegada da família real em 1806, o brasileiro não tinha o hábito de beber. Eram poucos os estabelecimentos como hospedarias ou tavernas. Até porque a vida era essencialmente rural e não existia uma classe média urbana. Foi só com a chegada da corte portuguesa que o país começou a ter mais influência de costumes culturais e sociais europeus. Entre o fim do século dezenove, começo do século vinte, não existiam supermercados, existiam pequenas mercearias, mercadinhos, que eram conhecidos como bodegas. Em algumas dessas bodegas, em fins de tarde, alguns homens saíam do trabalho e passavam ali para comprar um pão pra levar pra casa e aproveitavam para comprar uma garrafa de cachaça e dividiam entre eles, batendo papo. Alguns donos dessas bodegas sacaram isso e começaram a vender outras bebidas e colocar umas mesinhas e cadeiras por ali. A coisa se popularizou, e na linguagem popular, a bodega evoluiu pra boteco.
Já nos anos 30, os botecos, carinhosamente apelidados de botequins, ganharam o formato que conhecemos hoje. Lugares pequenos, com um balcão simples, prateleiras repletas de garrafas, algumas mesas e cadeiras, que se tornavam ponto de encontro de pequenos grupos de homens que moravam e/ou trabalhavam na redondeza. Foi graças a botecos como estes que Tom Jobim e Vinícius de Moraes se conheceram, que Adoniran Barbosa conseguiu ingressar no rádio e tantos outros acontecimentos se realizaram. Foi por causa de um boteco, hoje tradicionalíssimo, que alguma coisa aconteceu no coração de Caetano Veloso, no cruzamento da Ipiranga com a avenida São João. De Noel Rosa a Reginaldo Rossi, todo mundo já cantou sobre o boteco, ele já faz parte da nossa cultura. Como nem todo boteco é igual, separamos três categorias distintas de botecos.
Tem o boteco raiz mesmo, aquele de bairro. É aquele em que das três ou quatro mesas existentes, cada uma é de uma cor, com uma marca de cerveja diferente, sempre tem uma televisão pendurada passando um jogo de futebol, tem dois ou três tiozinhos eternamente escorados no balcão intercalando doses de cachaça e cerveja, no balcão tem um suporte com aqueles salgadinhos de marca desconhecida, um pote engordurado cheio de um líquido turvo onde repousam ovos cozidos, ao fundo uma prateleira cheia de garrafas das mais variadas bebidas, em volta das mesas grupos de jovens adultos tomando cerveja e conversando animadamente e ao fundo, vindo de uma caixinha de som estourada, ouve-se modas de viola e música sertaneja em geral. Botecos raiz com uma infraestrutura um pouco melhor, contam também com uma mesa de sinuca e oferecem uma variedade um pouco maior de marcas de cerveja.
Tem também o bar moderno, uma evolução do boteco. É um lugar mais amplo, com muitas mesas, todas iguais, normalmente de madeira, as mesas estão dispostas na parte externa, que pode ser uma varanda ou a calçada, e na parte interna, bem decorada, com luminárias e fotos antigas emolduradas e penduradas na parede. Tem um vasto cardápio de porções e petiscos, bem como várias marcas de cerveja, sem contar os drinques que podem ser feitos à base de gin, saquê, vodca ou cachaça. Ah, sim, e sempre tem pelo menos uma opção de chopp. Costuma ter música ao vivo depois das oito da noite, e mesmo quando é música ambiente, invariavelmente prevalece a MPB, e Djavan reina absoluto.
E tem o boteco padrão, que não é nem lá e nem cá. É um lugar despojado. Não tem decoração, a maior parte das mesas fica na calçada, o cardápio é uma folha de papel plastificada com meia dúzia de opções, que variam entre torresmo, frango à passarinho, pastel e espetinhos variados. A cerveja é sempre muito gelada e tem várias marcas. Não tem música ao vivo, o que toca na caixa de som varia entre pagode e sertanejo. Os clientes se tornam tão frequentes que os dois únicos garçons do estabelecimento já conhecem quase todo mundo pelo nome. Para muita gente, tais estabelecimentos são conhecidos como “o melhor lugar do mundo”.
Como foi dito no começo do texto, os botecos são lugares totalmente democráticos, porque é onde é possível se falar sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo. Problemas econômicos e políticos do país são resolvidos entre piadas de gosto duvidoso. Discussões infinitas sobre futebol são travadas, mas também é possível se falar sobre cinema europeu, relacionamentos amorosos, viagens, curiosidades, combinar churrascos… tudo com a mesma leveza. Também são lugares onde o tempo e espaço são distorcidos. Afinal como é possível você chegar lá seis da tarde, sentar, começar a conversar, tomar umas três ou quatro cerveja (aparentemente) e de repente já ser dez da noite? E mais. Como é possível que uma mesa que começou com três pessoas às sete da noite, às nove já tenham em volta da mesma mesa 14 pessoas? Não dá pra entender! Mas é a mágica do boteco.
É o lugar onde tudo é permitido. A pessoa que está de dieta, ao entrar no boteco, fica automaticamente liberada para comer um torresmo bem fritinho e tomar uma caipirinha, vá lá, com adoçante. É onde a pessoa que leva a cerveja até você ganha os mais variados títulos e adjetivos: “Ô mestre, vê mais uma aqui!” “Campeão, traz mais uma e dois copos!” ”Professor, fecha aqui pra nós!” “Amigão, me vê um cu de burro!” “Meu consagrado, traz aquela cachacinha!”. O boteco é sim um templo. Não religioso, mas espiritual, onde após toda uma semana de stress, cansaço, irritação, esforço e preocupações, você vai para descarregar isso tudo das costas e celebrar as coisas simples e deliciosas da vida, ao lado de pessoas que você genuinamente gosta, admira, se identifica e te faz bem ter do lado. A mesa do bar é tudo que a dinâmica de grupo, do RH da firma, queria ser, mas não consegue.
O boteco é coisa nossa! Faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Cultura pop tupiniquim, alegria, diversidade e amizade! Tudo que a Strip Me faz questão de celebrar e espalhar mundo afora, através de camisetas com estampas deliciosas e malemolentes fazendo referência aos botecos e à cervejinha nossa de cada sextou. E não é só isso, tem camiseta de música, arte, cinema, cultura pop em geral e muito mais. Dá uma olhada lá na nossa loja, aproveita pra salvar o endereço e voltar sempre pra ir conferindo os lançamentos que vão pipocando.
Vai fundo!
Para ouvir: Uma playlist no capricho pra você sentar e relaxar tomando uma gelada, com o que há de melhor sobre boteco! Música de Boteco top 10 tracks!
Para assistir: A encarnação do clima de boteco está impressa no irretocável curta metragem Tarantino’s Mind. Aqui Selton Mello e Seu Jorge conversam sobre teorias e códigos envolvendo os filmes de Quentin Tarantino. E fazem isso onde? No único lugar possível, claro! Na mesa de um boteco! O filme é escrito e dirigido por Bernardo Dutra e Manitou Felipe e foi lançado em 2006. E está completinho no Youtube. É só clicar aqui.