A Anatomia de Basquiat.

A Anatomia de Basquiat.

Brooklin, New York. 1967. Era um dia quente de verão e algumas crianças brincavam em uma das ruas do bairro nova iorquino. Num descuido, um menino corre pela rua e não vê o carro que se aproxima. O garoto é violentamente atropelado. O impacto foi tão grande que ele teve muito mais que um braço quebrado. Internamente seu corpo sofreu lesões, incluindo uma muita grave no baço, que requereu uma cirurgia imediata. O pós operatório e a recuperação fizeram com o que o garoto ficasse preso a uma cama de hospital por semanas. Por acaso, a mãe pegou na recepção do hospital um livro de anatomia humana e deu para o menino, que se encantou com as formas, figuras e cores das ilustrações do corpo humano. Ele não largou mais o livro, que o influenciaria para o resto da vida. O nome do tal livro era Gray’s Anatomy.

Se você acha que este texto vai versar sobre alguma série de TV envolvendo médicos, cirurgias e sexo em salas de descanso de hospitais, errou feio, errou rude. Vamos sim falar deste jovem menino negro, com ascendência haitiana e porto riquenha, que cresceu nas ruas de New York, quase morreu atropelado, passou semanas numa cama de hospital com o tal livro, que realmente se chama Gray’s Anatomy, um livro real de medicina famoso. Já adolescente, os pais se divorciaram e ele se mudou para Porto Rico com o pai. Onde morou por dois anos. Em 1976, voltou a New York e começou a se interessar por arte. Com um amigo, passou a fazer grafites pelos muros da cidade, desenhos e frases de efeito, sempre assinados como “samo”.

Cabeza – Jean Michel Basquiat (1982)

Claro, estamos falando do inconfundível Jean Michel Basquiat. Um jovem inteligente, rebelde e inconformado. Largou a escola ainda muito jovem, por isso foi expulso de casa pelos pais. Passou a morar com um amigo chamado Al Diaz, com quem, além de fazer pichações, pintava camisetas e post cards para vender e levantar uma grana. Em especial os grafites começaram a dar o que falar pela cidade. A assinatura da dupla, “samo” derivava da expressão “same old shit”, que eles falavam com frequência abreviando para “same old”, que facilmente se tornou “samo”.

Em 1979 já era conhecido por sua arte, participava de programas de televisão e abandonava os muros para pintar telas. Ao mesmo tempo diversificava sua área de atuação e entrava na onda da emergente música de vanguarda que pintava em New York, que misturava o barulho e a atitude do punk com as viagens do jazz fusion e conceitos da arte concreta. A banda que mais se destacou desta cena foi a Sonic Youth alguns anos depois. Basquiat se juntou ao cineasta Michael Holman em 1979 para montar uma banda chamada… Gray! Sim, em homenagem àquele famoso livro, do qual ele nunca se esqueceu, e que sempre o inspirou a pintar. Mas a banda não vingou, apesar de se apresentar nos principais antros místicos de New York, tais quais CBGB’s, Max Kansas City e Mudd Club. Lugares frequentados não só por músicos e punks, mas também pela trupe de excentricidades de Andy Warhol.

Coroas (Peso Líquido) – Jean Michel Basquiat (1981)

Basquiat e Andy Warhol se conheceram em 1980 e não se desgrudaram mais. Fizeram vários trampos juntos e se tornaram amigos muito peculiares, pois nutriam uma curiosa competitividade. A convivência e a chancela de Warhol, que muito o elogiava para terceiros, fizeram de Basquiat um artista renomado em muito pouco tempo. Suas telas passaram a circular entre os marchands mais badalados dos Estados Unidos e da Europa ocidental. Sua obra era descrita como um primitivismo intelectualizado, onde Basquiat pegava a linguagem dos grafites das ruas e mesclava a recortes, frases desconexas e pinceladas desconcertantes. Curiosamente Basquiat era tão próximo de Warhol, mas passava longe de ser um representante da Pop Art. Sua arte flertava muito mais com o expressionismo e o surrealismo. Mas tudo com uma originalidade  inacreditável.

Se você já viu filmes ambientados em New York do fim dos anos 70, começo dos 80, sabe que aquilo era uma loucura desenfreada. O fim da Guerra do Vietnã, a invasão da cocaína e a desigualdade econômica que começava a pesar nos Estados Unidos resultou numa onda de hedonismo e auto destruição que varreu a juventude da época. Basquiat chegara ao topo como artista plástico. Um negro, filho de imigrantes latinos, ele era único naquele mundo. E muito jovem. Não é de se estranhar que ele tenha se deslumbrado com o status, com o assédio, com a grana… e se esbaldado nas festas regadas a muita droga. Diz-se que seu apetite para consumir drogas sintéticas era tão grande quanto seu talento para pintar.

Dispensador de Pez – Jean Michel Basquiat (1984)

Em 1982 Basquiat teve um breve romance como uma garota muito carismática e bonita, que tentava se dar bem como cantora. Sempre que Basquiat a apresentava para alguém, dizia “Essa é minha namorada, ela vai ser uma grande cantora logo logo.” O namoro não durou muito. Em 1983, quando ela conseguiu lançar seu primeiro disco, eles já não estavam juntos. Mas ele estava certo. O disco de estreia já trazia clássicos como Holiday e Lucky Star e elevaria Madonna ao posto de diva do pop. Nesse período, entre 1983 e 1985, foi a época de maior convivência entre Basquiat e Warhol. Basquiat crescia exponencialmente. Em especial sua exposição chamada Anatomy, olha o livro aí de novo, causou grande impacto no mundo das artes, e a exposição foi apresentada nos mais importantes museus e galerias do mundo.

Caveira – Jean Michel Basquiat (1981)

Em 1987 Andy Warhol morre aos 59 anos. Basquiat ficou abaladíssimo. Já estava afundado no consumo cavalar de cocaína e heroína, e sua produtividade entrou em decadência. Começou a receber muitas críticas negativas da imprensa especializada e retrucava ferozmente se apoiando no racismo como justificativa para tais críticas. Sendo o único artista negro de destaque, é certo que ele sofreu muito racismo ao longo de sua carreira, mas naquele momento, realmente suas obras começavam a perder a alma, além de ele produzir cada vez menos, e passar cada vez mais tempo entorpecido. Até que no dia 12 de agosto de 1988 o que parecia inevitável se concretizou. Vivendo sozinho em seu apartamento, ele errou a mão e teve uma overdose de speedball, mistura de cocaína com heroína. Foi mais um grande artista que morreu aos 27 anos de idade.

Cavalgando com a Morte – Jean Michel Basquiat (1988)

Além de ser uma personalidade incrível, com uma história de vida fascinante, Basquiat tem uma importância brutal para a história da arte moderna. O fato de ser um artista negro, filho de imigrantes latinos, pobre, que pichava muros, é muito revelador e o torna único por ter conseguido chegar onde chegou. Mas o mais importante mesmo é que sua obra, a força e genialidade de tudo que ele produziu, se sobrepõe às condições sociais e pessoais. Basquiat é primeiramente lembrado pela sua obra, e depois por ser um artista negro e etc.

Como não amar um artista multimídia, que veio das ruas, que se envolvia com música e cinema, era contestador, libertário e jovem? A obra de Basquiat emana barulho, diversão e arte. Por isso mesmo é fonte direta de inspiração e admiração na Strip Me. Vem conhecer as nossas camisetas com estampas de arte, além de muitos outros lançamentos na nossa loja!   

Pássaro no Dinheiro – Jean Michel Basquiat (1981)

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist especial com o que rolava de mais legal na época em que Basquiat produzia em NY. Top 10 Tracks NY 1978 – 1988.

Para assistir: Em 1996 saiu a cinebiografia de Basquiat. O filme dirigido por Julian Schnabel chamado Basquiat – Traços de uma Vida, é um filme bem legal e mostra a vida do pintor em NY, seu envolvimento com Warhol e toda a sua vida caótica. Vale a pena conferir. Ah, sim. E quem interpreta o Warhol neste filme é ninguém nenos que David Bowie!

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