Uma roda se forma em torno de dois homens. Todos à volta dos dois não querem perder nenhum detalhe. Aparentemente, aquele é um duelo aguardado por todos. Os dois homens se olham friamente no centro do círculo, que é formado por uma pequena multidão de olhares curiosos. Não ficou claro quem desafiou quem, mas sabe-se que houve muita bebedeira e gritaria. Depois de alguns insultos de ambos os lados, em tom de pilhéria, vale ressaltar, a turma de amigos que acompanhavam os dois, ao invés de conter os ânimos com o protocolar “deixa disso”, bradaram incentivando o confronto! Em questão de segundos, os dois já estavam rodeados de pessoas que se acotovelavam e ficavam em silêncio esperando o início do duelo. Um deles era mais forte e alto. Tinha uma barba ruiva, suja e cheia de nós, e a cabeça raspada. Já o outro era bem cabeludo, um cabelo ensebado e comprido, já meio grisalho. Também com uma barba longa e suja, este era mais gordo. Ambos tinham uma imagem intimidadora e vestiam roupas velhas e esfarrapadas. O gordo desferiu o primeiro golpe, com sua voz grave e rouca fez uma rima dizendo que seu oponente lhe fazia ter engulhos até com um vinho saboroso, pois era tão feio quanto um pútrido leproso. E se iniciou uma batalha de rimas que durou quase meia hora, um insultando o outro, sempre rimando, até que um dos dois se cansou, não conseguiu responder à altura e teve que pagar bebidas para seu oponente no resto da noite.
Uma cena como essa acontecia praticamente todos os dias nas tavernas da Bretanha e da França entre os séculos XVII e XVIII. Era uma tradição celta muito popular. Na real, esses duelos de rimas é o tipo de coisa que era comum a vários povos em diferentes lugares do mundo, um lance muito antigo mesmo. Mas os registros mais claros disso são à partir dessa época, entre os celtas, e rapidamente se espalhando pela Europa e, consequentemente, na América. Aqui no Brasil acabou originando o repente no Nordeste e a trova na região sul entre o fim do século XIX e começo do século XX. Também gerou um tipo de música nas ilhas do Caribe, que ficou conhecido como Mento, em especial na Jamaica. O mento iria se fundir com o ska e o rocksteady para dar origem ao reggae. Reggae este que fazia parte dos sons que rolavam nos sound systems, grandes caixas de som que eram colocadas nas ruas da periferia de Kingstown e rolavam altos bailes ao ar livre. Nestes bailes, sempre tinham os toasters, caras que pegavam o microfone e falavam de forma ritmada, de acordo com a música que estava tocando, sobre o cotidiano daquela região, falavam de pobreza e política, mas também falavam muito sobre sexo, faziam piadas e tiravam sarro das pessoas. Aqui já estamos no fim dos anos 60.
Justamente tentando fugir dessa pobreza, muitos jamaicanos começaram a migrar para os Estados Unidos. Uma das comunidades mais famosas de jamaicanos nos Estados Unidos ficava no Bronx, bairro paupérrimo no extremo norte da cidade de New York. Já nos anos 70 o jamaicano Kool Herc, trouxe um dos sound systems da Jamaica para os Estados Unidos e começou a fazer festas nas ruas do bairro. Nesta época, a pobreza e a falta do que fazer fizeram com os jovens se juntassem em gangues. A violência era generalizada, e o racismo era só mais gasolina nessa fogueira. As festas nas ruas com os sound systems eram uma oportunidade de diversão e começou a se tornar cada vez mais comum os DJs usarem o microfone. A turma que curtia som começou a criar um novo jeito de dançar. Entre as gangues, se tornou muito popular marcar territórios e se expressar através do grafite nos muros da cidade. Alguns clubes e casas noturnas quiseram colocar os sound systems pra dentro, o DJ já não dava conta de falar ao microfone e colocar os sons. Surgem então os mestres de cerimônia, os MCs. E pronto. Está criada a cultura hip hop.
Mas não foi fácil assim. Tinha muita treta, muita briga. Foi o mestre Afrika Bambaataa quem mais ajudou a botar ordem na casa. Pregou a união das gangues de negros para combater o racismo e insistia que com a música, o grafite e a dança, era essencial que o conhecimento e a consciência social viessem junto no pacote. Ele criou a Zulu Nation e realmente mudou o mundo. Daí pra frente só foi apavoro! Nos anos 80 pintaram Run DMC, Public Enemy e Beastie Boys. Sem falar de Kurtis Blow, MC Hammer, Eazy E, Ice T e DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince (sim, foi onde o Will Smith começou). Nos anos 80 o rap e o hip hop estouraram! Milhões de discos vendidos, rappers ditando moda, videoclipes com produções caríssimas, muita ostentação, carrões, correntes de ouro, drogas, sexo… enfim, uma parada que deu certo, mas que tinha tudo pra dar erado. E para alguns realmente deu errado.
Tupac Maru Shakur nasceu ali, no olho do furacão, no Bronx dos anos 70. Viveu parte de sua infância no Harlem, outra parte em Baltimore e já adolescente se mudou com sua mãe para a Bay Area, California. Lá se envolveu com tráfico de drogas e passou a trampar de roadie para a banda Digital Underground, onde teve oportunidade de cantar algumas vezes e começou a se destacar. Em 1991 ele já tem seu primeiro disco solo lançado. Mas voltando ao início dos anos 70, no bairro do Brooklyn, New York, nascia Christopher George Latore Wallace, um figura que ficaria conhecido como The Notorious B.I.G. Ao contrário de Tupac, ele teve uma infância estável vivendo sempre no mesmo bairro e estudando numa boa escola, onde teve boas noções de inglês e literatura. Mas a boa educação não impediu que ele fosse pra rua e também embarcasse no tráfico de drogas. Ainda jovem, ele já era conhecido por vender crack no bairro. B.I.G. passou a juventude e o início da vida adulta no Brooklyn traficando drogas e fazendo rap nas ruas e em pequenos bares, mas sem grande sucesso. Entre 1992 e 1993, enquanto B.I.G. ainda estava restrito ao circuito do rap nova iorquino, Tupac já tinha ganhado disco de ouro, participado de filme no cinema e até mesmo andou aos beijinhos com a Madonna. Em fevereiro de 1993 B.I.G. descolou um show para fazer em Los Angeles, e aproveitou para conhecer Tupac. Os dois se deram super bem logo de cara e ficaram bróders.
Mas essa brodagem toda durou pouco. No dia 30 de novembro de 1993 Tupac colou no estúdio de B.I.G. e Puffy, que era produtor. Era madrugada, o estúdio ficava no segundo andar de um prédio na Times Square. Quando chegou no hall do prédio, tinham 3 caras por ali. Ao chamar o elevador, Tupac se ligou que um dos caras puxou uma pistola. Mas ele também era malandro e sempre andava armado. Só que antes de puxar seu revólver, levou cinco tiros. Os três caras caíram fora correndo. Só que Tupac não morreu. Estava em péssimo estado, claro, se arrastando. Mas conseguiu ir até o estúdio, onde foi recebido por B.I.G. e Puffy com uma cara de espanto e, segundo o próprio Tupac, culpa. Uma cara de quem quer dizer “Agora f*deu!”. Mas a vida não estava fácil pra ninguém. Nessa época, Tupac vinha enfrentando problemas sérios com a justiça, sendo acusado de estupro e de ter envolvimento com um dos maiores gângsters da época. E, aparentemente, era tudo verdade. Tanto que ele, mesmo baleado, todo enfaixado e numa cadeira de rodas, foi condenado a prisão. Ficou preso por 11 meses, saindo por pagamento parcial da fiança e por bom comportamento.
Enquanto esteve preso, Tupac cultivou a ideia de que B.I.G. e Puffy sabiam que ele seria baleado naquela noite no estúdio. E se não sabiam, o mínimo que poderiam fazer é achar quem tinha feito aquilo e dar uma coça nos malucos, afinal ali era New York, era a quebrada de B.I.G. e não ia ser difícil descobrir quem deu os tiros. Mas nada foi feito. Nada é exagero. Foram feitas músicas. B.I.G. lançou a música Who Shot Ya? meses depois de Tupac ser baleado. E era uma música com uma letra meio irônica, pegou mal e Tupac levou pro pessoal. Hit’ Em Up foi a resposta de Tupac, uma letra direta para B.I.G. repleta de ofensas. Era 1995, e foi o auge da treta entre a cena rap/hip hop da costa leste dos Estados Unidos (B.I.G.) contra a costa oeste (Tupac) e.muitos artistas de ambas as cenas compraram a briga, cada um com o seu território. Uma disputa estúpida e descabida, mas que rendeu muito para a mídia, que sempre tinha alguma coisa pra noticiar a respeito. Só que a treta extrapolou a música. No dia 7 de setembro de 1996 Tupac foi baleado e morreu em Las Vegas. Não há nenhum indício de que B.I.G. tenha algum envolvimento com o crime. Aliás, ali pelo fim de 1996 já rolava um papo de apaziguar e acabar com aquela rixa besta. Em 9 de março de 1997 B.I.G. estava em Los Angeles para um show e deu entrevistas pedindo paz e o fim daquela rivalidade. No mesmo dia também foi baleado e morto.
Tupac e Notorious B.I.G. eram os dois maiores nomes do rap no mundo nos anos 90. A morte dos dois finalmente fez com que os ânimos se acalmassem e a rivalidade entre costa leste e costa oeste acabasse. Um preço muito alto para o fim de uma rivalidade tão imbecil. Mas apesar dos pesares, o hip hop sobreviveu firme e forte. Ainda nos anos 90, sob o legado desses dois gigantes nomes como Dr. Dre, Snoopy Doggy Dogg, Cypress Hill, Fugees, Jay-Z, Busta Hymes, Eminem, N.W.A., Ice T, Outkast, De La Soul, Ice Cube, Lauryn Hill e tantos outros dominassem a parada! Pode crer que se não fossem as estripulias de Kurt Cobain, Eddie Vedder e companhia, o hip hop teria dominado a indústria musical nos anos 90, como domina desde o começo do século XXI até hoje. Atualmente, mais de 70% de toda música ouvida nas principais plataformas de streaming em todo mundo é rap e hip hop.
É um estilo de música e de vida muito rico, com uma história incrível! E olha que a gente se limitou a falar apenas dos Estados Unidos. Só a história do hip hop no Brasil, com Thaíde & DJ Hum, DJ Marlboro e toda a turma, já dava outro texto delicioso. Mas por hora, ficamos por aqui. Lembrando, é claro, que o hip hop, a cultura do grafite, a luta contra o racismo, a poesia e a música são parte essencial na formação da Strip Me. Então você obviamente encontra várias camisetas sensacionais com referências a este universo maravilhoso, bem como tantas outras estampas de música, cinema, arte, cultura pop e muito mais. Se liga nos nossos lançamentos e visite a nossa loja!
Vai fundo!
Para ouvir: Uma playlist no capricho do que há de melhor no hip hop dos anos 90. Top 10 Tracks 90’s Hip Hop
Para assistir: A série The Get Down, produção da Netflix é impecável e retrata muito bem o início do hip hop no Bronx. É mais que imperdível, essencial.