Dossiê STM: Red Hot Chilli Peppers 1984 – 1998

Dossiê STM: Red Hot Chilli Peppers 1984 – 1998

Começando pelo fim, a história que vai ser contada hoje aqui tem vários ensinamentos e lições. O primeiro ensinamento é que ninguém faz nada sozinho. Outro é que essa conversa de dinâmica de grupo de RH, de que não existe ninguém que seja insubstituível, é balela! Sempre tem a pessoa certa para fazer determinado trabalho. O problema é que é raro que essa pessoa e o trabalho a ser feito se encontrem. Mais uma lição importante dessa história é a perseverança, a insistência. No fim das contas, essa é uma história que pode ser uma metáfora para a vida, a existência, de maneira geral. Afinal, viver não é fácil, tem vários obstáculos, a gente mais sai perdendo do que ganhando, mas isso torna as vitórias ainda mais saborosas. E no fim, quando já se conquistou o que podia ser conquistado, só resta relaxar e aproveitar o legado que foi construído. Falando assim, fica até difícil de acreditar que estamos falando de uma banda de rock, formada por um bando de moleques que só queriam saber de fazer festa, tocar e fumar maconha. 

Era o começo dos anos 80, e Los Angeles era uma cidade sempre tomada por artistas de vanguarda, bem como guetos, onde a cultura de protesto crescia cada vez mais, acompanhando a crise econômica e a política cada vez mais conservadora do então presidente Reagan. O movimento punk, que começara festeiro e despretensioso em New York, na metade dos anos 70, chegou na costa oeste dos Estados Unidos, claro, já sob influência dos punks britânicos, no fim dos 70, começo dos 80, e sofreu várias mudanças. Ficou mais agressivo e muito político. Criou-se toda uma cena encabeçada pelas bandas Dead Kennedys e Black Flag. Em paralelo, na mesma época, surgia o hip hop. Afrika Bambaataa e Run DMC já despontavam como grandes nomes. Até hoje Los Angeles é uma cidade menor que New York e muito mais miscigenada. Portanto, é natural que culturas se misturem com mais facilidade. E não demorou pro punk e o hip hop se encontrarem, o que acabaria sendo conhecido como funk rock, ou funk metal. 

Alguns puristas afirmam que o funk rock já era praticado nos anos 70 por bandas como Devo e Talking Heads. Forçando um pouquinho a barra, até dá pra aceitar. Mas essas bandas pegavam mais elementos do funk e do soul e misturavam com a batida quadrada do rock. Claro, saía muita coisa boa, mas no frigir dos ovos eram só uns branquelos sem suíngue tentando soar modernos e malemolentes (e falhando miseravelmente na questão da malemolência). Voltando aos guetos de Los Angeles, no começo dos anos 80 começou a aparecer essa molecada que gostava de punk, de hip hop e também de sons dançantes como Funkadelic e Curtis Mayfield. Um desses jovens era um rapaz de origem israelita chamado Hillel Slovak, um guitarrista habilidoso e apaixonado por punk rock. Slovak tinha um grande amigo, também músico, mas que não se interessava por rock, tocava trompete e curtia jazz. Louco para montar uma banda, Slovak começou a bombardear seu camarada com discos de bandas punk e o ensinou a tocar baixo. Em pouco tempo o jovem conhecido por Flea já estava convertido ao punk rock e tocava baixo com seu camarada numa banda. Em uma das noites em que a banda tocava em buraco qualquer, um jovem aspirante a ator de Hollywood, amigo de colégio de Flea, chamado Anthony Kiedis colou no show da banda e se juntou aos músicos para cantar e improvisar umas rimas de hip hop. A química bateu instantaneamente. Kiedis entrou para a banda como vocalista. Eis a gênese do Red Hot Chilli Peppers. 

A história dos Chilli Peppers é toda inacreditável, mas esse comecinho da banda merece destaque porque é muita coisa inesperada acontecendo. Em 1983 a banda era formada por Anthony Kiedis no vocal, Slovak na guitarra, Flea no baixo e Jack Irons na bateria. Tocando pelos bares de LA, a banda começou a chamar a atenção por seu estilo diferente, com groove e uma pegada rock suja. Não demorou para eles arranjarem um empresário, que logo conseguiu um contrato com ninguém menos que a EMI para lançar um disco! Frente a isso, o que Slovak e Jack Irons fazem? Saem da banda, é claro! O fato é que o guitarrista e o baterista já faziam parte de uma outra banda, e os Chilli Peppers eram só um projeto paralelo. Quando a coisa começou a ficar séria, eles preferiram apostar em uma das duas bandas para se dedicar. Claramente fizeram a escolha errada. Kiedis e Flea resolveram não largar o osso e convidaram o baterista Cliff Martinez e o guitarrista Jack Sherman para entrar na banda e gravar o disco. Em 1984 sai o primeiro disco da banda, chamada simplesmente Red Hot Chilli Peppers e não causa grande impacto. O disco é produzido pelo inglês Andy Gill, guitarrista da banda Gang of Four. Gill não saca a proposta da banda e acaba engessando o som. 

Red Hot Chilli Peppers – Red Hot Chilli Peppers (1984)

Em 1985 Anthony Kiedis, que não se dava muito bem com o guitarrista Jack Sherman, convence Slovak a voltar para a banda. Sai Sherman, volta Slovak, Martinez se mantém na bateria, Flea no baixo e a banda se prepara para gravar seu segundo disco. Desta vez acertam em cheio ao escolher o mestre George Clinton para produzir o disco. Finalmente a banda consegue mostrar a que veio. O disco Freaky Style é lançado ainda em 1985 e causa comoção. A banda fica famosa no underground, começa a fazer cada vez mais shows, e shows sempre lotados. Empolgados e deslumbrados, Kiedis e Slovak acabam entrando naquele mundinho perigoso da heroína. Em 1986, incomodado com os abusos de Kiedis e Slovak, Cliff Martinez sai da banda. Quem assume as baquetas é Jack Irons, fazendo com que a banda voltasse a sua formação original. E é essa formação que lança o terceiro disco da banda, e único disco, com tal formação: The Uplift Mofo Party Plan, lançado em 1987. Para divulgar o disco, os Chilli Peppers saem em turnê com o Faith No More, que acabara de lançar o disco Introduce Yourself. A tour é bem sucedida, mas cobra um preço muito alto. Hillel Slovak morre de overdose de heroína em julho de 1988. 

Freaky Styley – Red Hot Chilli Peppers (1985)

A morte de Slovak despedaça a banda, que já vinha mal das pernas. Flea já disse em entrevistas que na época, sempre que seu telefone tocava, ele achava que o guitarrista ou o vocalista tinham morrido. Na noite em que Slovak morreu, Flea finalmente recebeu o telefonema fatídico, mas errou a vítima, pois atendeu o telefone com a certeza de que Kiedis era quem estava morto. Jack Irons acaba abandonando a banda, embarcando numa terrível depressão desencadeada pela morte do amigo. Anthony Kiedis resolve ir para o México para se desintoxicar e Flea fica sozinho sem saber o que fazer. Por fim, não havia outra coisa a se fazer, a não ser voltar a fazer música. Kiedis volta do México e vai para uma clínica de reabilitação em Los Angeles mesmo. Ele e Flea resolvem voltar ao trabalho. E mais uma vez precisam de um guitarrista e um baterista. O baterista escolhido é uma verdadeira lenda: D.H. Peligro, ex-baterista dos Dead Kennedys. E é Peligro quem apresenta a Kiedis e Flea um jovem de 18 anos chamado John Frusciante, guitarrista talentoso e de personalidade introvertida. Frusciante era fã da banda, conhecia muito bem o repertório e se encaixou perfeitamente. Peligro, por outro lado, não durou muito. Anthony Kiedis estava tentando se manter sóbrio e o baterista tinha seus próprios problemas com abuso de drogas e álcool. Acabou sendo demitido. Ao invés de escolher alguém da cena, o trio resolve fazer testes com bateristas novos. Mais ou menos 30 bateristas passaram por eles, até chegar um rapaz marrento, mas com uma energia e técnica inacreditáveis. Era Chad Smith, que foi contratado no ato. Estava completa a formação da banda que ficaria mundialmente famosa. 

The Uplift Mofo Party Plan – Red Hot Chilli Peppers (1987)

Com quase 40 anos de estrada e 12 discos lançados, acaba sendo ingenuidade querer vaticinar qual é o melhor disco da banda. Todavia, em 1989 Anthony Kiedis, John Frusciante, Flea e Chad Smith conceberam o disco que, para muita gente, é o melhor da banda: Mother’s Milk. Não vamos entrar nessa discussão aqui, se é ou não o melhor disco. Mas vamos aos fatos. Mother’s Milk foi o disco mais bem sucedido da banda até então. Com um empurrãozinho da MTV, passando incansavelmente os clipes de Knock me Down e Higher Ground, o disco chegou ao top 20 discos mais vendidos da Billboard norte americana. Com produção de Michael Beinhorn, Mother’s Milk traz camadas de guitarras muito bem timbradas envolvendo perfeitamente baixo e bateria. Além do mais, as composições estão mais afiadas, melhor acabadas e, principalmente, a banda encontra o som único que os tornariam facilmente reconhecíveis no futuro. O ritmo funkeado, guitarra distorcida e o vocal rápido, com um refrão melódico. Knock Me Down, um dos hits do disco, mostra bem esse formato, além de ter sido uma música onde Kiedis escreve sobre a experiência traumática com as drogas. Com o disco super elogiado pela imprensa, Kiedis sóbrio e shows lotados, a moral da banda vai lá em cima. Eles decidem trocar de gravadora, saem da EMI, assinam com a Warner e chamam para produzir seu próximo disco o inigualável Rick Rubin. 

Mother’s Milk – Red Hot Chilli Peppers (1989)

Rick Rubin já tinha sido cogitado para produzir a banda, na época do disco The Uplift Mofo Party Plan. Mas o próprio Rubin não aceitou por conta dos problemas de drogas de Kiedis e Slovak. Agora, com Kiedis sob controle, e, com certeza, uma proposta financeira, no mínimo, muito mais interessante, ele acabou aceitando. A gravadora alugou uma mansão, onde foi montado o estúdio, e ali foi gravado o antológico disco Blood Sugar Sex Magik. A mão de Rick Rubin é evidente em todo o disco, mas sem interferir na personalidade da banda. O resultado é avassalador. Do disco saem pelo menos 4 singles de sucesso. O disco é lançado em setembro de 1991, praticamente junto com o Nevermind do Nirvana. Ambos os discos extrapolam qualquer expectativa de vendas. À partir daquele momento, os Red Hot Chilli Peppers se tornam uma banda mundialmente famosa, passam a fazer shows em estádios e turnês mundiais. Estava tudo indo bem demais, já estava na hora de alguém ir lá e estragar tudo mais uma vez. 

Blood Sugar Sex Magik – Red Hot Chilli Peppers (1991)

Foi a vez de John Frusciante. Ele se sentiu extremamente oprimido pela fama, pela grandiloquência das turnês, o assédio de fãs e da imprensa…e ele sucumbiu. Depois de um show no Japão em maio de 1992, ele abandona a banda e se enclausura dentro de seu vício em heroína. Depois de convidar Dave Navarro, guitarrista da banda Jane’s Addcition, que negou o convite, os Chilli Peppers contratam o guitarrista Arik Marshall para cumprir os compromissos de 1992 e 1993. É com Marshall na guitarra que a banda aparece em um episódio d’Os Simpsons, se apresenta como headliner no histórico Lollapalooza 1992, no Hollywood Rock 1993, aqui no Brasil, e na premiação do Grammy de 1993. Mas a interação entre o guitarrista e o resto da banda não era tão boa. Ele acaba sendo dispensado no segundo semestre de 1993. Depois de cogitar nomes como esquisito Buckethead e o virtuose Jesse Tobias, finalmente Dave Navarro topa entrar para a banda. Com o time completo, eles lançam em 1995 o disco One Hot Minute. Um disco inconstante, meio sombrio. Também, pudera. Anthony Kiedis estava de volta entregue à heroína e se afastava cada vez mais das gravações. Navarro dizia que não gostava de funk e nem de improvisos, queria fazer riffs com pegada mais rock n’ roll. Mesmo sendo um pouco abaixo da média de qualidade da banda, One Hot Minute vendeu muito bem e rendeu uma turnê europeia enorme. Mais uma tour pelos Estados Unidos estava agendada para o ano de 1997, mas acabou sendo cancelada porque Chad Smith fraturou o punho. Enquanto ele se recuperava, as relações entre a banda desandavam. Navarro insatisfeito musicalmente, Kiedis mais uma vez afundado em drogas e Flea tentando manter as coisas no lugar. Em 1998, Navarro também de volta ao vício, chegou chapado num ensaio, rolou uma briga e pronto. Ele estava fora. Os Chilli Peppers parecem mesmo não ter um minuto sequer de paz. E ainda tem muita coisa por vir. 

One Hot Minute – Red Hot Chilli Peppers (1995)

Como você pode constatar, a história dos Chilli Peppers é realmente uma loucura. Idas e vindas, sucessos interrompidos, mas a banda sempre insistindo em continuar. Pra não deixar de contar tudo, com todos os detalhes saborosos de cada fase da banda, preferimos dividir este post em duas partes. Cobrimos até aqui os seis primeiros discos e os 14 primeiros anos de carreira da banda. Ainda temos pela frente a volta do Frusciante, o lançamento de Californication e muito mais. Enquanto você espera pela segunda parte deste texto, dá uma conferida nos lançamentos mais recentes da Strip Me. Camisetas de música, cinema, arte, cultura pop e muito mais. Vai lá na nossa loja

Vai fundo. 

Para ouvir: Uma playlist com o que há de melhor nos 6 primeiros discos dos Red Hot Chilli Peppers, mas claro, sempre dando aquele desvio das obviedades e grandes hits. RHCP 1984 – 1998 top 10 tracks

Para assistir: Vale muito a pena assistir ao documentário Funky Monks, lançado em 1991 e dirigido pelo Gavin Bowden. Este doc mostra o making of do disco Blood Sugar Sex MagiK. É um filme bem divertido e está completinho e com legendas em português no Yourube. 

Para ler: Altamente recomendável a autobiografia do vocalista Anthony Kiedis. O livro se chama Scar Tissue, foi lançado no Brasil pela editora Belas Letras em 2018. Se o que você já leu até agora neste texto já é impressionante, imagina tudo isso contado sob o ponto de vista do próprio Kiedis! Imperdível! 

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