“The queen is dead, boys. And it’s so lonely on a limb. Life is very long when you´re lonely.” De certa forma, esses versos de Morrissey neste clássico dos anos oitenta dizem muito sobre a Rainha Elizabeth II. Morta aos 96 anos de idade num castelo na Escócia no dia 8 deste mês, a rainha da Inglaterra teve uma vida longa e, ao que tudo indica, solitária realmente. Apesar de estar sempre cercada por súditos, assessores e sua própria família, desavenças familiares, um casamento conturbado e paixões cerceadas certamente tornaram a vida da monarca um pouco mais amarga e solitária. Mas, independente disso, foram quase cem anos muito bem vividos, dos 96, 70 anos foram como rainha. Ela viu o mundo mudar e conheceu as pessoas mais importantes do mundo ao longo do século XX e XXI. E a gente sabe disso tudo porque, além de tudo, a rainha Elizabeth II acabou se tornando ícone pop. Mesmo sem querer.
Claro, o ambiente conta muito. A Inglaterra praticamente criou o jornalismo da fofoca. Os tabloides londrinos se especializaram em esmiuçar a vida íntima da família real, que por sua vez, sempre forneceu vasto material para polêmicas. Desde que o tio de Elizabeth, Edward VIII, renunciou ao trono da Inglaterra para se casar com uma mulher norte americana, que era divorciada, a imprensa britânica se acostumou a chafurdar nas intrigas familiares da coroa. Foi essa renúncia ao trono, inclusive, que fez com que Elizabeth se tornasse rainha. Com a morte do rei George V, avô da Elizabeth, Edward VIII, era o sucessor direto ao trono, pois era o filho mais velho do rei. Na real, nem era pra Elizabeth ter sido rainha. Mas com a renúncia, a sucessão voltou-se para o filho mais novo do rei, que era o pai da Elizabeth. Ele foi coroado rei George VI, mas acabou morrendo cedo, por conta de um enfisema pulmonar. Foi assim que a coroa praticamente caiu no colo da Elizabeth, a filha mais velha do rei morto. Ela foi coroada aos 26 anos de idade, em 1952.
A Rainha Elizabeth II reinou justamente na época da explosão da indústria cultural pós Segunda Guerra Mundial. Os veículos de comunicação se tornavam mais acessíveis, a televisão se tornava cada vez mais presente e a música e o cinema se tornavam cada vez mais influentes. Ela fez seu primeiro discurso televisionado no fim do ano de 1957. Desde então, todo ano, ela fazia um discurso de fim de ano transmitido para todo o Reino Unido nas festas de fim de ano. À medida que o mundo, os países ocidentais em especial, vão se tornando mais liberais, com governos modernos, baseados em ideais republicanos e democráticos, a monarquia inglesa vai se mantendo firme, e acaba se tornando pitoresca para o mundo, ainda mais quando fica cada vez mais claro que quem manda mesmo no reino é o primeiro ministro. Numa singela canção, os Beatles até chegaram a cantar que “sua majestade é uma garota muito bacana, mas ela não tem muita coisa pra dizer.”.
Não só os Beatles, mas muitos outros artistas ingleses não perderam a oportunidade de escrever uma ou outra canção sobre a rainha. Na maioria das vezes fazendo críticas, é verdade. Ok, sejamos francos, a esmagadora maioria das músicas sobre a rainha são de protesto e críticas. Mas “falem mal, mas falem de mim”, certo? Uma das exceções, e anda assim, nem tanto uma exceção, data de 2012, quando a rainha celebrou o jubileu de diamante, que comemorou seus 60 anos de reinado. O compositor britânico Leon Rosselson, pouco conhecido por aqui, mas respeitadíssimo na Inglaterra, escreveu a canção On Her Silver Jubilee. Uma bela canção folk que fala sobre o reinado de Elizabeth II desde o início e sobre sua imagem ser tão utilizada pelos punks em 1977. Com a boa e velha ironia britânica, a letra da música faz uma boa análise da rainha como pessoa pública, para o bem e para o mal. De fato, 1977 não foi um ano fácil para ela. Independente da forte censura que se abateu sobre o compacto, God Save the Queen, dos Sex Pistols, se tornou um verdadeiro hino contra o conservadorismo da monarquia, e um dos maiores clássicos do rock n’ roll. Lançada em compacto e incluída no essencial Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols, God Save the Queen é uma música irresistível, um riff simples e melódico, guitarras saturadas, ritmo instigante e, pra coroar, com o perdão do trocadilho, a capa do single, criada pelo artista Jamie Reid, é perfeita, até hoje uma das imagens mais icônicas do punk rock.
Outras canções bem legais escritas com a rainha como tema central, são Elizabeth My Dear, dos Stone Roses, uma verdadeira pérola, a citada no início do texto The Queen is Dead, dos Smiths, uma das músicas mais emblemáticas da banda, Rule for no Reason, do Billy Bragg, uma balada muito bonita, que retrata esse aparente vazio, a melancolia que envolve a rainha Elizabeth II, e tem também a curiosa Dreaming of the Queen, dos Pet Shop Boys. Nesta última, o duo pop britânico relata um sonho dos dois músicos tomando um chá com a rainha Elizabeth e a Lady Diana. A letra é muito legal. Vale a pena conferir. Voltando ás canções de protesto, vale citar a belíssima Flag Day, da banda The Housemartins, banda indie britânica dos anos 80, que não fez tanto sucesso no Brasil, mas tem uma obra riquíssima, com grandes canções. Pra fechar a parte musical, vale também citar o rapper britânico Slowthai, que escreveu a pesada Nothing Great About Britain, uma música de batida forte e letra extremamente crítica. Ah, sim, também é importante lembrar que God Save The Queen é o hino da Inglaterra. Escrita em 1774, e oficializado como hino nacional em 1780, a música varia o gênero usado na letra de acordo com o monarca vigente. Até semana passada cantava-se God Save the Queen, agora, já se canta God Save the King. Você pode ouvir numa roupagem mais moderna esta bela peça musical no disco A Night at the Opera, da banda Queen. É a faixa que encerra o disco.
Se na música a rainha foi amplamente retratada, no cinema e na televisão então, nem se fala! No começo do reinado, Elizabeth II procurava se manter distante da mídia, mas isso foi mudando com o tempo. No início só o que se via da rainha na televisão eram imitações. Uma das mais famosas foi a de Carol Burnett. Ela se notabilizou por ser a primeira mulher a protagonizar um programa de comédia nos Estados Unidos, o Carol Burnett Show, em 1967. Porém, se tem alguém que entende de imitar a rainha Elizabeth II é a atriz Jeannette Charles. Pra começo de conversa ela atua interpretando a rainha no excelente mockumentário All You Need is Cash, a história da banda The Rutles, em 1978. Depois ela não parou mais. Interpretou a rainha em alguns episódios do Saturday Night Live e em filmes como Férias Frustradas II, Corra que a Polícia Vem Aí e Austin Powers: O Homem do Membro de Ouro. Mas claro, até aqui estamos falando de comédia, imitações…nada sério. Por outro lado, existem também alguns filmes em que a rainha é retratada com seriedade, respeito… e até um pouco de realidade demais. A então criança Freya Wilson interpreta Elizabeth II no excelente filme O Discurso do Rei, de 2010, onde a rainha aparece ainda como uma criança. Já no impactante A Rainha, Helen Mirren interpretou a Elizabeth II com tamanha entrega, que acabou levando o Oscar de Melhor Atriz em 2007, além de o filme ter concorrido em outras 5 categorias. O filme A Rainha mostra os maus bocados pelo que passou a família real após a morte da Lady Diana, já que era notório que a rainha e a Lady Di não se davam muito bem. Retratando um momento antes, o belíssimo filme Spencer, mostra justamente a ascensão da Lady Diana de súdita comum a uma das mais populares figuras da realeza. Kristen Stewart está impressionante interpretando a Lady Di, e a veterana Stella Gonet entrega uma rainha Elizabeth II sóbria, quase soturna.
Cada série, cada filme, comédia ou drama, mostra uma face e uma fase diferente da rainha. A série The Crown merece destaque porque mostra todas as fases e faces da rainha Elizabeth II com uma produção impecável. A produção é da Netflix e até agora conta com 4 temporadas. A quinta temporada já está toda gravada e deve estrear em novembro deste ano. Mesmo antes da morte da rainha e o príncipe Philip, marido dela, em 2021, já se falava que a série terminaria na sexta temporada, e dificilmente atingiria os dias atuais. A previsão era de que esta última temporada fosse exibida em 2023, mas com os últimos acontecimentos, é possível que aconteçam alterações drásticas no roteiro, para que a série se encerre com a morte da rainha. Neste caso, a chance é de que a sexta temporada chegue só em 2024. The Crown já é conhecida como umas produções mais caras da TV. Mas não é para menos. A produção é realmente incrível, cenografia, figurino, ambientação de diferentes épocas e as atuações são excelentes. O roteiro equilibra muito bem a parte política com a vida pessoal da rainha, o que traz certa leveza, e cativa o espectador. Certamente uma série que faz jus a grandeza da rainha.
Porém, um episódio muito marcante, e muito divertido, vivido pela rainha, infelizmente não foi retratado na série The Crown: A condecoração dos Beatles com a medalha e a concessão do título MBE (Member of the Order of the British Empire). O MBE é uma honraria concedida aos súditos da Inglaterra que, através da arte, cultura e ciência, elevam o nome do Reino Unido. Em 1965 o primeiro ministro Harold Wilson, aproveitou o sucesso mundial dos Beatles para fazer uma média com seu eleitorado jovem do norte da Inglaterra e indicou os rapazes de Liverpool para receber a honraria, por conta de seus valiosos serviços prestados á coroa, levando o nome da Inglaterra por todo o mundo através da boa música. Assim, no dia 26 e outubro de 1965 os Beatles chegaram, logo de manhãzinha no palácio de Buckingham. Foram orientados a como se portar (se curve, nunca dê as costas para a rainha e etc). Estavam tão ansiosos que foram juntos para o banheiro para fumar um… cigarro! Sim, por anos a lenda de que os Beatles haviam fumado maconha antes de conhecer a rainha prevaleceu. E foi o próprio John Lennon quem contou a mentira. Só quase trinta anos depois, George Harrison, numa entrevista, esclareceu o fato. Estavam realmente nervosos, mas sabiam que não podiam estragar a situação, então foram para o banheiro para ficarem um pouco sozinhos e fumar seus cigarros em paz. De qualquer forma, o espírito anárquico da banda prevaleceu. Ao ficar frente a frente com Elizabeth II, John se apresentou como sendo Paul, Paul se apresentou como sendo John, deixando a rainha confusa. Após dar lhes a medalha, ela perguntou se fazia tempo que eles estavam juntos. Ringo respondeu “Há uns 40 anos”. Todos riram. Em 1969 John Lennon devolveu a medalha como protesto pelo envolvimento da Inglaterra na guerra do Vietnã e nos conflitos na Nigéria.
É tanta história e tanta referência na cultura pop, que seria impossível a Strip Me não prestar sua homenagem a Rainha Elizabeth II. Uma mulher incrível, corajosa e cheia de talentos. Em especial adorava animais. Depois de 96 anos de vida e mais de 70 como rainha, hoje em dia com certeza Elizabeth II tinha muita coisa a dizer. Por isso deixa um legado tão grande. Para encontrar ícones da cultura pop, da música e do cinema, é só colar com a gente. Na loja da Strip Me você encontra camisetas de arte, cinema, música, cultura pop, estilo de vida e muito mais. Fica de olho por lá, que sempre estão pintando novos lançamentos.
Vai fundo!
Para ouvir: Uma playlist com todas essas canções onde a rainha foi fonte de inspiração. The Queen is Dead Top 10 tracks.
Para assistir: Certamente a recomendação maior é assistir a série The Crown. Uma obra impressionante, com ótimo roteiro e uma produção deslumbrante. E tá facinho de ver, lá na Netflix.