Big Brother is Watching You

Big Brother is Watching You

Telas! Telas por todos os lados! Todas as suas vontades, interesses, virtudes, defeitos, são revelados! Uma nova linguagem é criada para designar conceitos, novas palavras são incluídas no dicionário, enquanto outras caem em desuso. E, acima de tudo, sempre tem alguém assistindo você! Isso tudo pode ser aplicado às redes sociais, ao novo lifestyle mundial de estarmos sempre conectados, afinal tudo isso é uma realidade. Porém, essas ideias e noções de comportamento descrevem igualmente as características da sociedade criada pelo escritor George Orwell. E o espantoso é que ele escreveu tudo isso em 1948, quando ainda não existia sequer o conceito da internet. Orwell descreve uma sociedade futurista, em que a sociedade vive cercada de telas, e é controlada por elas. Controle este, manipulador e castrador, regido por um governo autoritário, misterioso e muito eficiente. Para George Orwell este futuro era o ano, para ele longínquo, de 1984, ano que também é o título do livro, que se tornou um clássico absoluto da literatura mundial e uma obra quase que premonitória do que seria o futuro da humanidade. Mais do que isso, este livro acabou inspirando um dos programas de TV mais revolucionários, polêmicos e rentáveis do mundo! 

Em 1997, na Alemanha, foi feito um experimento antropológico colocando algumas pessoas dentro de uma casa por alguns dias sem contato nenhum com o mundo exterior, sem televisão, sem telefone e etc, para ver como essas pessoas se comportariam em diferentes situações e tal. Um jovem holandês leu sobre esse experimento e imaginou que isso poderia render um programa de TV interessante. Ele estava começando uma produtora de audiovisual na época, e procurava ideias diferentes, inovadoras, para desenvolver. Seu nome era John De Mol, e sua produtora fora batizada Endemol. Essa ideia de confinar pessoas numa casa ficou fermentando na cabeça de John De Mol até 1999, quando ele conseguiu desenvolver a ideia e resolveu produzir um piloto. 

Nós aprendemos, de maneira bem didática, no filme Pulp Fiction o que é um piloto. Nas palavras de Jules Winnfield: “Sim, mas você está sabendo que existe uma invenção chamada televisão, e que nela são transmitidos programas de TV, certo? Então. A maneira como eles escolhem que programa vai ser transmitido é fazendo um programa e mostrando para as pessoas. Esse programa é chamado de piloto. Então eles mostram esse programa para produtores de TV e outras pessoas e, com base nisso, eles decidem se vão fazer mais programas. Alguns pilotos são escolhidos e se tornam programas de televisão. Alguns não dão em nada.”. Bom, o John De Mol fez um piloto. Alugou duas casas de veraneio no interior da Holanda, em uma delas fez todo um aparato de espelhos e encheu a casa de câmeras. Na casa vizinha, colocou os monitores, todo o equipamento de edição e alojou todo o staff de produção. Enquanto aconteciam as filmagens, logo nos primeiros dias, De Mol reparou que todas as pessoas da produção, do cozinheiro ao editor de vídeo, não desgrudavam dos monitores, acompanhando a vida das pessoas da casa ao lado. Ali ele soube que seria um sucesso. Inspirado pelo livro de George Orwell , vendo que todos na casa estavam sendo vigiados 24 horas, e recebiam ordens de uma voz anônima, De Mol batizou o seu programa de Big Brother. 

Naquele mundinho de 1984 do George Orwell as pessoas eram criadas desde muito novas a temer e respeitar o Big Brother, uma espécie de entidade que personificava o governo. O Big Brother era uma voz e um rosto em todas as telas, que dava ordens, instruía as pessoas e ditava o que era certo e errado. Era frequente ver nas telas e cartazes pela cidade o assustador lembrete: “The Big Brother is watching you”. Realmente, as pessoas tinham até mesmo dentro de suas casas várias telas, que não só transmitiam as imagens do Big Brother como funcionavam como câmeras. Qualquer atitude subversiva era prontamente vista e combatida. O protagonista da história, Winston, descobre um lugar em sua casa, onde era para ter um armário, em que nenhuma tela o vê. Ali ele começa a escrever seus pensamentos, algo totalmente proibido pelo governo. E esse é o começo da trama toda. 

Não poderia ter sido uma escolha melhor! John De Mol se fez valer de uma entidade da ficção que representa o fascismo, o autoritarismo, o cerceamento de liberdade, para batizar um programa de TV que, por mais que tenha esse viés de confinamento, várias regras e etc, se presta a mostrar pessoas discutindo, conversando abertamente, se adaptando a uma convivência e até mesmo transando livremente. Tudo isso mostrado em rede nacional, e ainda gerando muito dinheiro com publicidade. A primeira edição do Big Brother aconteceu em 1999 na Holanda e foi um sucesso avassalador. Gerou polêmica no mundo todo! O termo “reality show” não existia. A internet engatinhava na época, mas De Mol conseguiu que as câmeras transmitissem 24 horas por dia abertamente num site. O engraçado disso é que rolava uma edição forte para ser transmitido na TV em determinado horário, de forma resumida o que se passava na casa. Os técnicos e editores ficavam monitorando tudo. Quando começava alguma treta mais acalorada, ou algum casal se pegando, a transmissão da internet era cortada, para fazer com que as pessoas assistissem ao programa na televisão. Desde então, a coisa cresceu absurdamente e a Endemol começou a vender o formato, com o nome, e tudo, para emissoras de TV de vários países. 

Não é só o nome que foi tirado do livro de Orwell. Na história de 1984, se alguém era flagrado cometendo qualquer ato que fosse contra os mandamentos do governo, essa pessoa era presa e levada para o… confessionário! Era onde essa pessoa teria a oportunidade de se explicar antes de ser transferida para o Ministério do Amor, onde seria tratada carinhosamente com eletrochoques, lobotomia e toda a sorte de procedimentos que pudessem convencer a pessoa de que ela estava errada. Sim, convencer. O protagonista, Winston, em certo momento da história, acaba preso por ter pensamentos subversivos e contra o governo. Seu interlocutor, enquanto o tortura com choques, lhe mostra a mão com 4 dedos estendidos e o polegar escondido. Ele pergunta: “Quantos dedos você vê, Winston?” e ele responde: “4.”. “Errado São 5 dedos.” e dá-lhe choque. Depois de muita tortura e choques, Winston finalmente afirma que vê 5 dedos, mesmo sendo apenas 4 que são mostrados. O interlocutor então diz: “Não quero que minta para mim. Eu quero que você realmente acredite que está vendo 5 dedos” e continua as sessões de choque e tortura. Essa passagem do livro, inclusive, inspirou a ótima música 2+2=5, da banda Radiohead. Aliás, 1984 é uma obra amplamente influente em todos os meios artísticos. Se você achou que essa coisa toda de telas, estar sempre vigiado, controle de pensamento e liberdade é muito Black Mirror, você acertou. Os criadores já admitiram que a obra de Orwell sempre foi uma forte inspiração para a série. Sem falar que apesar de não ter criado o programa, os direitos de Black Mirror pertencem a que empresa? Acertou quem disse Endemol! 

É verdade! Depois de vender o formato do Big Brother para vários países mundo afora, a Endemol se especializou nisso, criar e comprar os direitos de programas de tv dos mais variados para vendê-los pelo mundo. Para se ter ideia, Masterchef, Extreme Makeover, A Fazenda, Masked Singer e muitos outros são programas criados e vendidos como franquias no mundo todo pela Endemol. Mas com certeza, o líder é o Big Brother! Aquele que começou tudo e abriu o caminho para um novo mundo: os reality shows! A vida como ela é, pessoas de verdade, tudo mostrado para você em quantas telas você quiser. Pode ser na tv, no tablet, no computador, no celular! E tudo na hora que você quiser! Sempre vai ter uma câmera à espreita de quem você queira assistir. Em seguida, você vai na sua rede social favorita e faz um vídeo comentando sobre o que você viu! Qual é a sua opinião? Sempre vai ter alguém querendo saber. Sempre vai ter alguém assistindo você! 

Semana passada estreou a 22ª edição do Big Brother Brasil. É um programa de sucesso indiscutível, mas que gera muita discussão pela qualidade do conteúdo apresentado. Certamente é uma discussão que tem seu valor. Mas o mais importante é que exista a liberdade de um programa como este ser exibido, a liberdade das pessoas de assistirem ou não, de opinarem a favor ou contra. Não menos importante é entender de onde saiu todo esse conceito de Big Brother, confessionário e etc. 1984 é um livro essencial para entender a sociedade moderna e os modelos de política e comportamento que moldaram a humanidade até hoje. Entendendo de onde a gente veio, fica mais fácil saber pra onde a gente vai. 

Agora pense você: Um programa de TV super polêmico, que gera discussões super interessantes sobre diversidade, posicionamentos, sexualidade, convivência, festas e ainda geram uma enxurrada de memes divertidíssimos, e um livro que influenciou de David Bowie a Mano Brown, de Stanley Kubrick às irmãs Wachowski, de Anthony BurgessChuck Palahniuk. É lógico que tudo isso faz parte do universo Strip Me! Então aproveita para dar uma espiadinha nas novas estampas da nossa loja

Vai fundo! 

Para ouvir: Como foi dito, o livro de George Orwell inspirou muita gente a compor canções que fazem referência ao livro 1984. Aqui você confere as mais legais. 1984 Top 10 Tracks

Para assistir: Claro que o livro 1984 já foi adaptado para o cinema. Mas não funcionou muito bem. O filme é cansativo. Mas tem muito filme bom que tem muita influência da obra maior de George Orwell. Um deles é o excelente O Show de Truman, dirigido pelo Peter Weir e lançado em 1998. Um filme divertido, emocionante e muito impactante. Recomendadíssimo! 

Para ler: Aí sim! Não tem como não recomendar a leitura de 1984, clássico de George Orwell lançado em 1948. A editora Companhia das Letras reeditou a obra recentemente, numa edição de luxo, com capa dura e vários apêndices com ensaios sobre a obra e as capas que o livro já teve em diversos países. Vale a pena conferir e é essencial que que seja lido! 

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