Bossa Nova!

Bossa Nova!

“Em 1958 o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente!”

Foi oque escreveu o crítico e jornalista Roberto Schwarz sobre este período realmente efervescente do país. Em 1955 Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e, com seu plano desenvolvimentista, batizado “50 anos em 5”, abriu o comércio estrangeiro, alavancou a economia e construiu a cidade de Brasília em espantosos 3 anos. Em harmonia com essa onda de euforia e esperança política e econômica, o Brasil foi campeão da Copa do Mundo de futebol pela primeira vez em 1958, na Suécia, imortalizando as pernas tortas de Garrincha e mostrando ao mundo um jovem e talentoso jogador de 17 anos chamado Pelé. O Cinema Novo dava seus primeiro passos após o lançamento de Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, e, principalmente, foi lançado em 1958 o compacto de Chega de Saudade, canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes interpretada por João Gilberto.

Crédito da imagem: cbf.com.br

A Bossa Nova não foi um movimento artístico na concepção mais ortodoxa do termo. Ela não foi pensada, arquitetada, teve seus dogmas e características bem definidos. Eram apenas jovens de classe média alta carioca que queriam tocar samba e gostavam de jazz, viviam em apartamentos de frente para o mar e, apesar de gostarem muito de samba, não se identificavam com as letras e interpretações dramáticas de Nelson Gonçalves e Orlando Silva, era muita dor de cotovelo. Essa molecada de Ipanema e Copacabana, no Rio de Janeiro, se reunia pra ouvir Chet Baker e Cole Porter, e também João Donato, Cartola, Dorival Caymmi. Dessa mistura, começaram a surgir as primeiras canções. Mas tudo muito disperso. Cada um tocava de um jeito. A unidade surgiu através da Santíssima Trindade da Bossa Nova: Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto.

Ipanema na década de 1950 – Photo by: José Jonas Almeida
Vinícius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto – Photo by: Paulo Peres

Em 1954 Vinícius de Moraes, poeta já aclamado em todo o país, escreveu a peça de teatro Orfeu da Conceição, adaptação do clássico grego transposto para a realidade dos morros cariocas. Vinícius procurava algum músico para musicar os poemas que faziam parte da peça. Nessa época, Tom Jobim era muito jovem, vinte e poucos anos, tocava em algumas boates e fazia alguns bicos durante o dia pra pagar o aluguel. Havia um bar em Copacabana onde ele sempre parava no fim da tarde pra tomar uma cervejinha antes de ir pra casa. Numa dessas tardes, lá estava Vinícius de Moraes com alguns amigos bebendo e papeando. Um amigo em comum chamou Tom para a mesa e o apresentou ao Vinícius, dizendo que aquele garoto era o cara certo para musicar os poemas de Orfeu da Conceição. Vinícius então passou a explicar toda a ideia da peça, os poemas, como ele queria a música… falou entusiasmado por um tempão. Tom Jobim ouviu calmamente tudo que Vinícius tinha a dizer. Quando acabou, Tom Jobim olhou para o Poetinha e disse: “Tá tudo muito bom, muito bonito. Mas vai rolar um dinheirinho?”. Vinícius olhou bem para a cara do rapaz por alguns segundos em silêncio, para em seguida explodir numa gargalhada. Nascia ali uma amizade e parceria que duraria por toda a vida.

Em 1956 as músicas de Orfeu da Conceição foram lançadas em vinil como trilha sonora da peça. Foi o primeiro disco da parceria Tom e Vinícius, que já trazia um clássico: a música Se Todos Fossem Iguais a Você. A parceria entre Tom Jobim e Vinícius de Moraes não parou mais desde então. Em abril de 1958 aconteciam as gravações do disco Canção do Amor Demais, um álbum inteiro de composições da dupla interpretadas pela Elizete Cardoso, umas das mais renomadas cantoras da época. Este disco é a pedra fundamental da bossa nova. Apesar de Elizete Cardoso ser uma cantora à moda antiga, com voz forte e marcante, além do disco ser inteiro de composições de Tom e Vinícius, um jovem músico baiano recém chegado ao Rio de Janeiro participou da gravação como músico contratado, tocando violão. Era João Gilberto. Uma das músicas do disco era Chega de Saudade. Durante a gravação da música, João Gilberto interrompeu a cantora dizendo: “Olha, não é assim não a música. Você está cantando errado.”. Todo mundo no estúdio congelou com a audácia daquele jovem corrigindo uma das divas do rádio brasileiro. O problema estava no trecho da música que diz: “apertado assim, calado assim, abraços e beijinhos…”. Ela, incomodada, falou: “Estou cantando errado? Então por que você não me ensina como é?”. Elizete estava cantando o trecho de forma corrida, muito reta. João Gilberto então cantou baixinho, enfatizando cada pausa das notas entre as palavras. Um produtor que assistia as gravações, em seguida convidou João Gilberto para gravar um disco, cujo primeiro compacto foi justamente Chega de Saudade, cantada com toda a sua suavidade e beleza. Foi quando toda aquela turma da zona sul do Rio de Janeiro entendeu como tocar samba. Nascia a Bossa Nova.

João Gilberto dizia para seus novos amigos, os jovens cariocas como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Nara Leão e tantos outros, que o problema de tocar samba no violão é que o ritmo do samba tem muitos instrumentos fazendo coisas diferentes. O segredo é escolher um, no caso o tamborim. A batida do violão na bossa nova nada mais é do que o ritmo que o tamborim imprime no samba. Com essa turma toda já escolada e com essa nova formatação musical elaborada pela santíssima trindade: Os acordes de jazz de Tom Jobim, as letras delicadas e ensolaradas de Vinícius de Moraes e o ritmo e jeito de cantar peculiar de João Gilberto, fizeram com que a bossa nova se espalhasse pelo mundo. Em especial os Estados Unidos se renderam ao banquinho e violão de maneira impressionante. O saxofonista de jazz Stan Getz gravou um disco com João Gilberto e até mesmo Frank Sinatra chegou a gravar um disco inteiro em parceria com Tom Jobim, imortalizando The Girl From Ipanema. Para concluir, em 1962 o Carnegie Hall, em NYC, recebeu três shows com os principais nomes da bossa nova, todas as apresentações absolutamente lotadas. Por muitos anos a frente Garota de Ipanema e Wave renderam a Tom Jobim o posto de segundo compositor  mais regravado no mundo, perdendo somente para os Beatles. Certa vez Tom Jobim foi perguntado a respeito disso e respondeu bem humorado: “Vamos lembrar que os Beatles são 4. Eu sou um só.”.

No fim, não importa muito entender os fundamentos da Bossa Nova, quem influenciou quem, quem inventou o quê… o que importa é o rolê, são as histórias divertidas, é a turma reunida chacoalhando o violãozinho. Até porque muita coisa rolou depois. Com o golpe de 1964, teve um racha nessa turma, uma parte achava que tinha que fazer música de protesto e outra parte queria se manter fiel às raízes, cantando que o barquinho vai e a noitinha cai. Depois veio Tropicália e absorveu algumas coisas da bossa nova, depois veio os anos 80, world music, David Byrne, mais pra frente Stereolab, Beck e Sean Lennon encantados com as brasilidades… E já estamos em 2021 e a Bossa Nova ainda está por aí, continua representando a boa música, as amizades e os bons rolês!

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist deliciosa que mistura clássicos da bossa nova dos anos 1960 e seus ecos dos anos 1990 pra frente. Um top 10 tracks cheias de bossa!

Para assistir: Além de figura essencial para a bossa nova, Vinícius de Moraes foi um dos artistas mais completos e geniais do Brasil. Por isso, o documentário Vinicius, do diretor Miguel Faria JR. e lançado em 2005 é fundamental e delicioso de se ver. Só pela rima sobre o Poetinha que Tônia Carrero declama já vale a pena assistir: “Se eu tivesse, se eu tivesse muitos vícios, o meu nome então seria Vinicius. Mas estes vícios fossem muito imorais, então eu seria o Vinicius de Moraes.”. Ah, e tá fácil de ver. Tem na Netflix.

Para ler: Para entender melhor este período histórico tão mágico, o livro Feliz 1958- o Ano que Não Devia Terminar é leitura obrigatória. Escrito pelo escritor e jornalista Joaquim Ferreira dos Santos e lançado em 1998 pela Editora Record, é uma obra que conta a delícia de ser brasileiro naquele final sorridente dos anos 50. O autor entrevistou personagens daquele ano, mergulhou nos arquivos de O Cruzeiro, ouviu fitas da Rádio Nacional e trouxe um perfil do período mais exuberante do país no século XX.

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