Brasil em foco.

Brasil em foco.

Quando você quer conhecer ou se aprofundar em alguma atividade, seja tocar um instrumento, desenhar, fotografar, praticar um esporte… a tendência é procurar os nomes mais importantes e influentes do ramo pra se inspirar e usar como referência, né? Usando o célebre pensamento de John Lennon, de pensar globalmente e agir localmente, é normal que a gente pense nos maiores nomes do mundo. O próprio Lennon, ou, sei lá, Jimi Hendrix na música, Michelangelo ou Van Gogh nas artes e por aí vai. Acontece que em todas as áreas artísticas temos grandes exemplos aqui mesmo, no Brasil. Em especial na fotografia, alguns são reconhecidos no mundo todo como grandes mestres. É o caso de Sebastião Salgado, German Lorca, Bob Wlfenson, entre outros.

A fotografia é uma parada muito interessante porque parte de uma técnica básica bem específica e científica, exposição à luz e controle de lentes para foco e profundidade. Entretanto, é uma expressão artística que permite que cada artista imprima sua marca, sua personalidade. Mais impressionante é notar que isso também ocorre no show business. Fotógrafos especializados em retratar artistas, concertos e moda  também se destacam,ainda que pareça (ou que efetivamente) façam fotos comerciais, dá pra notar a personalidade, sensibilidade e força individual no trabalho de cada um. Por isso hoje, vamos elencar aqui os 5 profissionais da fotografia mais emblemáticos e conhecidos que atuaram, e ainda atuam, no cenário pop brasileiro.

Rui Mendes

Talvez o mais conhecido fotógrafo da cena musical no país, Rui Mendes se formou em fotografia na Fort Vancouver Junior College, nos Estados Unidos, no final dos anos 1970. Voltou ao Brasil em seguida e começou a trabalhar na Folha de S. Paulo. Amante da música, se ligou rapidamente aos músicos de São Paulo e passou a fotografá-los. À medida que ia conhecendo mais gente, aumentava seu leque de artistas em seu portfólio e começou a fotografar inclusive para capas de discos. RPM, Lulu Santos, Camisa de Vênus, Legião Urbana, Barão Vermelho, Ira!, Titãs, Capital Inicial, Kiko Zambianchi, Inocentes, Ultraje a Rigor, Ratos de Porão, Sepultura, Skank são só alguns dos artistas que já olharam para a lente de Rui Mendes. Além disso seu trampo como fotojornalista também impressiona, em revistas como Vogue, Trip, Época, TPM, Galileu, entre outras.

Seu Jorge por Rui Mendes

Caroline Bittencourt

Morando e atuando hoje em Copenhagen, Dinamarca, Caroline é uma fotógrafa jovem, brasileira, que se destacou fotografando shows entre Rio e São Paulo nos anos 2000. Seguindo a regra, ela sempre nutriu muito amor e interesse pela música brasileira, o que facilitou para que ela pudesse circular com desenvoltura no cenário musical. Ela já retratou algumas capas de discos, mas sua fotografia impressiona mesma quando retrata shows. Ela tem uma sinergia com o artista em ação no palco, e soma-se a isso seu apreço pela técnica e o uso de equipamento essencialmente analógico. Estão em seu portfólio nomes como Adriana Calcanhoto, Orquestra Imperial, Cidadão Instigado, Criolo e Los Hermanos.

Adiana Calcanhoto por Caroline Bittencourt

Marcos Hermes

Carioca, Marcos Hermes começou a fotografar ainda jovem no começo dos anos 1990. Logo se destacou com seus trabalhos para revistas como a Bizz, Claudia, Veja e Quatro Rodas. Se especializou em fotografar concertos e shows, e conseguiu ir muito longe com as suas fotos. Além de já ter fotografado nomes consagrados do Brasil como Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Elza Soares, Marcos Hermes também já trabalhou com o supra sumo da música pop, fotografando oficialmente Rolling Stones, Paul McCartney, Elton John, Beyoncé, Amy Winehouse, Steve Wonder, entre outros.

Caetano Veloso por Marcos Hermes

Daryan Dornelles

Um gênio da fotografia brasileira, Dornelles é um dos fotógrafos com mais personalidade  dos últimos tempos. Seja para capas de discos, fotos de divulgação ou registrando shows, ele consegue uma sintonia fina entre a obra do fotografado e a imagem que será reproduzida, resultado de muita intimidade com a música. Dornelles já declarou que quando vai fotografar determinado artista, ouve sua obra exaustivamente para alcançar essa conexão. São dele algumas das imagens mais marcantes de artistas como Chico Buarque, Martinho da Vila, Criolo, Marisa Monte e Tiê.

Emicida por Daryan Dornelles

J.R. Duran

José Ruaix Duran nasceu em Barcelona, na Espanha, mas foi no Brasil que ele se consagrou um dos mais requisitados fotógrafos do mundo, e onde morou por um longo período entre sua carreira de mais de 50 anos. Então dá pra dizer que ele é brasileiro sem medo de errar. Ele talvez seja o fotógrafo do show business mais conhecido do país. Com seu estilo forte, nítido, charmoso e elegante, J.R. Duran fotografou algumas das capas mais importantes da revista Playboy do Brasil, além de consagrado na moda e publicidade. Pra se ter ideia, ele já ganhou dez Prêmios Abril de Fotojornalismo, passando a ser horsconcours desse prêmio.

MC Guimê por J.R. Duran

A fotografia junta tanta coisa boa de forma artística, representando a música e a moda com beleza e intensidade, que tem tudo a ver com a Strip Me. Também somos apaixonados por fotografia, por isso acabamos de lançar uma coleção especial com este tema! Vem conferir!

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlists com alguns dos artistas que foram retratados pelos fotógrafos citados neste post. Top 10 tracks Foto BR!

Orgulho, diversão & arte.

Orgulho, diversão & arte.

Hoje fechamos a trilogia de posts dedicados ao mês do orgulho LGBTI+. Já demos uma geral na história, já falamos sobre os direitos na teoria e na prática, tudo direitinho. Mas convenhamos que a gente não é de ferro e também precisa relaxar e curtir a vida, não é mesmo? Por isso, vamos fechar essa trilogia com o astral lá em cima falando do que a gente mais gosta: arte! Afinal, a arte está recheada de grandes obras e grandes personalidades que representam muito bem os homossexuais de todo o mundo. Vamos falar sobre alguns deles.

É muito legal notar que existem filmes, peças de teatro, canções e pinturas que retratam ou são inspiradas em temáticas gays, mas que são concebidas por artistas héteros. Da mesma maneira, tem muito artista homossexual que não necessariamente explora este tema em suas obras. Um grande exemplo disso é o gênio da Pop Art, Andy Warhol. Notoriamente homossexual, afeito a festas e bares que celebravam a diversidade, por onde transitavam artistas de vanguarda, transexuais e todo o tipo de pessoas que não se encaixavam nos padrões “normais” da sociedade dos anos 1960 e 1970, Warhol conseguiu ser visto e celebrado em todo o mundo como um artista genial, sem precisar esconder seu estilo de vida. Produziu obras de arte incomparáveis sem esbarrar em nenhum momento na militância. Ter o orgulho de não esconder sua vida pessoal, por mais excêntrica que fosse, mostrando que isso não interferia negativamente na sua competência como profissional já foi militância suficiente.

Na música não são poucos os exemplos de artistas gays que tem uma obra invejável sem colocar em evidência sua sexualidade. Rob Halford é um dos vocalistas de heavy metal mais influentes do estilo e fez história frente à banda Judas Priest. Ele se assumiu homossexual em 1998 numa entrevista para a MTV e chocou muita gente. O rock, e em especial o metal, é um meio muito machista e homofóbico. O fato de Halford ter se assumido publicamente ajudou muito a abrir o diálogo e quebrar esses preconceitos. Aqui no Brasil um dos músicos mais influentes da música pop também se assumiu tardiamente, porém sem causar tanta surpresa quanto o vocalista do Judas Priest. Lulu Santos é um dos músicos mais respeitados do rock e pop desde os anos 1980. Exímio guitarrista e compositor de muito bom gosto, Lulu Santos sempre foi discreto com sua via pessoal, e na música nunca foi panfletário, apesar de falar frequentemente sobre amor livre e diversidade. Ele assumiu ser gay somente em 2018 e todo mundo ficou feliz por ele, porém, surpreso mesmo, ninguém ficou.  Mas tudo bem.

Deixando um pouco de lado os artistas e falando sobre obras de arte, não há mídia melhor para representar um grupo de pessoas tão plurais, cheias de vida, de amor, de cores e de histórias fantásticas como o cinema. É onde as imagens, a música e a história se juntam para proporcionar uma experiência de vida capaz de nos encantar, inspirar, divertir e fazer pensar. Então fizemos um top 5 filmes sensacionais que representam muito bem a comunidade gay e, cada um à sua maneira, proporciona reflexões importantíssimas.

5 – Meninos Não Choram

É um filme pesado, é verdade. Mas é uma história incrível e muito bem retratada no filme. História real, aliás. Brandon era um rapaz que nasceu mulher, mas desde criança se identificava como homem e tentou se impor como tal. É uma história trágica sobre aceitação e preconceito. Um filme de roer as unhas, emocionante, e com atuações inacreditáveis. Tanto que Hilary Swank ganhou Oscar de melhor atriz em 2000 pela sua atuação como protagonista. Boys Don’t Cry foi lançado em 1999, escrito e dirigido por Kimberly Peirce e tem uma baita trilha sonora boa!

4 – Madame Satã

O representante brasileiro nesta lista é um ótimo filme, também baseado em uma história real e com atuações excelentes. Madame Satã era o “nome de guerra” de João Francisco dos Santos. Ele foi um dos primeiros transformistas do  Brasil e virou ícone da liberdade sexual no país, com uma trajetória surpreendente no Rio de Janeiro dos anos 1930. O filme foi lançado em 2002, dirigido por Karim Aïnouz e protagonizado com brilhantismo por Lázaro Ramos.

3 – Filadélfia

Um clássico, né? Este filme está aqui porque representa muito bem o preconceito que os gays sofriam nos anos 1980 e 1990, agravado pelo surgimento da AIDS. Mas além de retratar super bem este momento, é um filmaço em todos os aspectos. Uma trilha sonora arrebatadora com Bruce Springsteen, Neil Young, Sade, Maria Callas, Peter  Gabriel, atuações impressionantes de Tom Hanks e Denzel Washington e direção irretocável do gênio Jonathan Demme. O filme foi lançado em 1993 e ganhou dois Oscars no ano seguinte: Melhor Ator e Melhor Canção Original.

2 – Tudo Sobre Minha Mãe

Que o Almodóvar é um gênio, não há dúvida, né? Porém, na hora de escolher qual o seu melhor filme, aí dúvida é o que não falta, tantos são os filmes excelentes dele. Mas com certeza um que sempre vai estar entre seus 3 melhores trabalhos é este. Uma história comovente e arrebatadora, colocada impecavelmente num roteiro que consegue ser dramático e bem humorado, bem amarrado e instigante. A trama se desenrola quando uma mãe solteira tem seu filho envolvido em um acidente e vai à procura do pai da criança, que virou travesti. Uma história insólita e cheia de surpresas que acaba por tratar diversos temas espinhosos com muita propriedade. O filme escrito e dirigido por Almodóvar foi lançado em 1999 e levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

1 – Priscilla – A Rainha do Deserto

É uma escolha óbvia? Um baita clichê? É sim! Mas nenhum filme na história conseguiu com tanta perfeição representar o espirito gay com tanto brilhantismo. Está tudo lá. A alegria, o glamour, a paixão pela arte, os preconceitos, é claro, e todas as dificuldades e delícias de se assumir como é e viver assim. Priscilla – A Rainha do Deserto é um road movie delicioso, engraçado e empolgante, desses filmes que a gente já viu um monte de vezes, mas sempre acaba vendo de novo. O filme foi lançado em 1994, escrito e dirigido por Stephan Elliott e se tornou, logo de cara, um clássico absoluto. Ah, sim, e também tem uma trilha sonora daquelas!

E assim finalizamos nossa trilogia de posts especiais no mês do orgulho LGBTI+. Posts que, além de homenagear e celebrar a diversidade, reforçam o posicionamento da Strip Me como uma marca que abraça a diversidade e faz coro com todas as vozes que clamam por liberdade e igualdade. Afinal tudo que é escrito aqui representa os princípios e valores da marca. Orgulho, diversão e arte em junho, no ano todo e por toda a vida!

Vai fundo!

Para ouvir: A playlist hoje dá uma geral nas trilhas sonoras dos cinco filmes indicados neste post! Confere lá! Top 10 tracks LGBTI+ Soundtracks!

Woodstock Sem Limites

Woodstock Sem Limites

Foi o ápice. Foi o início do fim. Foi o prenúncio de uma nova era. Foi uma enganação. Foi um ato revolucionário. Foi o maior evento da história moderna. Foi uma loucura. Woodstock foi tudo isso, e, provavelmente, muito mais. O festival de música, paz e amor que encerrou a década de 1960 ainda hoje é lembrado, comentado, celebrado e questionado. É compreensível que seja assim, afinal todas as dimensões ali foram transpostas. O tamanho, o número de pessoas reunidas, o line up estrelado, a liberdade, o congestionamento de estradas, nudez, consumo de drogas, intervenções climáticas, solidariedade, dinheiro gasto e arrecadado, processos judiciais, dívidas e, por fim, sucesso. Tudo isso esteve presente em larga escala em Woodstock.

Reprodução do cartaz oficial do festival

Michael Lang e Artie Kornfeld eram amigos, músicos ligados ao movimento hippie e estavam, no comecinho de 1969, com a ideia de montar um estúdio para gravar novas bandas e um selo para lançar seus discos, já que Kornfeld era funcionário da Capitol Records e tinha know-how e muitos contatos. Mas faltava o famoso capital inicial, já que eles eram os típicos músicos quebrados. Foi quando viram no jornal um anúncio de uma dupla de empresários que procurava projetos audaciosos ligados a arte e música para investir. Assim, Kornfeld e Lang se juntaram a John Roberts e Joel Rosenman. A dupla de empresários topou a empreitada, e o agora quarteto começava a planejar seu projeto de estúdio, batizado de Woodstock, que é onde eles queriam se estabelecer. Isso porque a pequena cidade de Woodstock, próxima a New York, era onde Bob Dylan morava na época. Lang e Kornfeld eram muito fãs de Dylan e sonhavam com a ideia de que Dylan passasse a gravar em seu estúdio, o único na cidade onde ele morava. Mas o investimento para montar um bom estúdio era alto demais até mesmo para os jovens ricos empresários Roberts e Rosenman. Então surgiu a ideia de fazer um festival de música para alavancar o projeto com a grana da venda de ingressos. Então Woodstock começou a ser pensado como um festival de música.

Woodstock era uma cidade pequena e cercada de fazendas e ranchos. Com uma população essencialmente de meia idade e conservadora. Quando se espalhou a notícia que quatro jovens queria reunir um bando de hippies nas suas terras, rolou uma comoção popular e eles não conseguiam autorização para fazer o festival em lugar nenhum. Até que um senhor com uma grande fazenda de vacas leiteiras na cidade de Bethel, vizinha a Woodstock, topou alugar suas terras e abrigar essa maluquice toda. Vale dizer que isso só aconteceu duas semanas antes da data já marcada para o festival acontecer. Então vamos colocar na linha do tempo. A ideia do festival pintou em janeiro de 1969 e o evento estava marcado para acontecer no fim de semana dos dias 15, 16 e 17 de agosto do mesmo ano. No fim de julho eles ainda não tinham o lugar definido. Mas já tinham vários nomes grandes confirmados.

O público de Woodstock. Photo by Dan Garson

Mas não foi nada fácil conseguir um line up tão poderoso. E o mérito deve ser dado à banda Creedence Clearwater Revival. Antes do Creedence assinar, eles não conseguiam fechar com ninguém, pois não eram conhecidos, queriam fazer um festival no meio do nada… ninguém botava fé. Mas depois que o Creedence, que na época era um dos maiores nomes do rock norte americano, comprou a briga e assinou, todo mundo foi atrás. E aqui estamos falando de boa parte dos grandes ícones da música na época: Janis Joplin, Grateful Dead, The Who, Jimi Hendrix, Sly & the Family Stone, Santana, Crosby, Stills, Nash & Young, Mountain, Jefferson Airplane, The Band, Joe Cocker, Tem Years After, Ritchie Havens, Joan Baez… e quem ficou de fora por, ainda assim não botar fé no evento, no futuro se arrependeu. Foi o caso de bandas como The Doors e Led Zeppelin. E olha que ninguém ali estava fazendo caridade. Todo mundo tinha contrato e cachê estabelecido. O papo hippie de não ligar pra dinheiro e bens materiais passou longe de Woodstock. Costuma-se dizer, aliás, que o festival foi de graça, mas não foi bem assim.

A banda Creedence Clearwater Revival durante o show em Woodstock. Photo by Elliot Landy
The Who durante o show em Woodstock. Photo by Henry Diltz

Os ingressos para o festival custavam 18 dólares antecipados e custariam 24 dólares na hora. Custariam. O festival estava previsto para receber 50 mil pessoas no máximo. Acontece que só de ingressos antecipados foram vendidos quase 100 mil. Dois dias antes do início do festival as estradas que levavam a Bethel já estavam tomadas por hippies de todo o canto. A organização do festival não teve tempo de montar as bilheterias na entrada. No primeiro dia do evento, eles desistiram de tentar controlar a entrada de pessoas e liberaram a entrada de geral. 100 mil pessoas, aproximadamente, pagaram ingresso. Mas o festival reuniu mais de 400 mil pessoas! Pra você ter ideia, isso é mais gente do que a população de muita cidade Brasil afora. E teve muita gente que ficou pelo caminho. As estradas ficaram tão congestionadas, que muita gente abandonava seus carros e concluía o trajeto até o festival a pé. O que só piorou a situação, pois se acumulavam carros parados pelo trajeto que dificultavam o trânsito de outros veículos. Teve muita gente, inclusive, que tinha comprado ingresso, não conseguiu chegar por causa do trânsito e acabou processando a organização. E foram tantos processos que os caras conseguiram quitar todas as dívidas acumuladas por conta do festival só dez anos depois, em 1980.

A estrada para Woodstock. Photo by Baron Wolman
A estrada para Woodstock. Photo by Baron Wolman

Olha, Woodstock  é cercado por tantas histórias incríveis, algumas verdadeiras, outras lendas, que daria um texto imenso. Teve o Pete Townshend, do The Who, expulsando a golpes de guitarra um ativista que subiu no palco durante o show para protestar contra a prisão de John Sinclair, que era também ativista e empresário da banda MC5. Teve uma multidão passando mal por tomar LSD de má procedência, teve uma chuva torrencial que fez com que o pessoal do Grateful Dead tocasse levando choques terríveis de seus instrumentos e microfones. Ah, teve também uma comoção popular dos moradores das fazendas vizinhas, que souberam que as pequenas empresas que forneciam comida para o festival não estavam dando conta de alimentar todo mundo, e doaram comida. A região era grande produtora de granola, que foi doada em grande quantidade. À partir daí a granola se popularizou entre os hippies, virou sinônimo de alimento saudável e está aí até hoje. É sério isso! A granola é o que é hoje por causa do Woodstock, senão seria só mais um ingrediente misturado para fazer os cereais infantis matinais.

Woodstock. Photo by Elliot Landy

Em 2020 oficialmente atingimos a famosa (entre os astrólogos) Era de Aquário. Acontece que essa era já vinha sendo anunciada desde 1967 e foi um dos motes do Woodstock. Diz-se que a Era de Aquário vai trazer harmonia e mais conhecimento para a Terra (Será? Tomara, né, porque estamos precisando). Também foi o ápice da contra-cultura, do movimento Flower Power e das manifestações contra a guerra do Vietnã. Também foi o começo do fim da era de ouro do rock n’ roll. Dali em diante, o consumo de drogas, que até então era muito mais ligado ao auto conhecimento,  se tornou desenfreado, a cocaína entrou com tudo e deixou tudo mais caótico. Os conflitos tornaram-se mais violentos nos anos 70 e o rock n’ roll sofria uma queda de popularidade e perdia seu status de arte para se tornar apenas hedonismo descontrolado, ou uma forma pedante de música elaborada até demais (a.k.a. rock progressivo). O que só viria a mudar com os punks na segunda metade da década, que resgatariam a essência do rock.

O fato é que o Woodstock entrou para história como o maior festival de música de todos os tempos, um verdadeiro marco na cultura pop. Dá pra dividir a cultura do século XX entre antes e depois de Woodstock. Um festival que trazia a música, mas também toda a carga política, social e de consciência de toda uma geração.  Rock n’ roll, atitude, diversão, consciência, engajamento! Tudo que a Strip Me gosta e espalha por aí! Por isso a gente não poderia deixar de falar sobre esse evento maravilhoso por aqui. Assim, cá estamos. Missão cumprida.

Vai fundo.

Para ouvir: Aquela playlist difícil de ser elaborada com o que rolou de melhor no Woodstock de 1969. Então confira  nossa playlist Woodstock ‘69 Top 10 Tracks.

Para assistir: O Woodstock foi todo filmado e acabou virando um documentário um ano depois. Woodstock – 3 Dias de Paz, Amor e Música foi lançado em 1970. Dirigido por Michael Wadleigh, o filme levou o Oscar daquele ano de Melhor Documentário. Ah, e uma curiosidade: o assistente de direção e um dos editores deste filme foi um jovem aspirante a cineasta chamado Martin Scorcese.

Para ler: Um dos quatro responsáveis pelo festival, Michael Lang, escreveu o livro definitivo sobre Woodstock. O ótimo A Estrada Para Woodstock foi lançado em 2019 pela editora Belas Letras no ano em que o festival completou 50 anos. Uma leitura deliciosa, recheada de curiosidades e muitos causos.

40 Anos Sem o Rei do Reggae.

40 Anos Sem o Rei do Reggae.

O começo da história até que é comum aqui no Brasil. Um garoto negro, nascido na favela em meio a muita pobreza e apaixonado por futebol consegue vencer na vida e ser mundialmente reconhecido. Acontece que a história que vamos contar hoje não se passa no Brasil e, apesar de realmente apaixonado por futebol, esse garoto negro venceu na vida através da música e de um estilo de vida que, até então, o mundo desconhecia. Hoje vamos relembrar a história de um dos maiores ícones da cultura pop dos século XX: Bob Marley, que no dia 11 de maio deste ano completou 40 anos de sua morte.

Photo by Dennis Morris

A história do Bob Marley é muito interessante, cheia de passagens curiosas. Pra começar, ele cresceu em Trenchtown, a maior favela de Kingston, capital da Jamaica. Lá, com apenas 5 anos de idade o pequeno Marley levantava uma grana lendo a mão das pessoas na rua. Claro que devia ser uma baita enrolação, mas já demonstrava que era um garoto com muito carisma para lidar com as pessoas. Um tempo depois, a mãe de Bob, que já não estava mais com o pai dele, passou a viver com um homem que tinha um filho chamado Neville Livingston, que tinha a mesma idade e de cara ficou amigão do Bob. Os dois moleques não se largaram mais e passaram a dividir uma grande paixão: ouvir rádio e cantar suas músicas favoritas. Já na juventude, Neville adotaria o apelido pelo qual ficou conhecido mundo afora: Bunny Wailer.

Paint on canvas by Mick Rock – 2008

Adolescentes, Bob e Bunny viviam procurando diversão e conheceram um grupo vocal ali mesmo, em Trenchtown, e passaram a andar com aquela rapaziada. E acabaram se tornando muito amigos de um desses rapazes, um certo Peter Tosh. Pirando no dubstep, rocksteady e ritmos caribenhos como o calipso, que dominavam a Jamaica nos anos 1960, o trio montou a banda The Wailing Wailers, conseguiram gravar dois ou três compactos que tiveram uma aceitação local muito boa. Tanto é que os caras resolveram arriscar trocar de ilha, saindo da Jamaica e indo para a Inglaterra. Ali, ironicamente, iriam acabar entrando na gravadora Island Records. Mas não foi moleza.

Bunny Wailer, Bob Marley e Peter Tosh nos tempos de Wailing Wailers, 1964
(Photo by Michael Ochs)

Na Inglaterra, eles fizeram uma tour morna, que não rendeu muita grana. Na real, mal se pagou. Tanto é que a banda se viu ali sem sequer ter grana pra voltar para a Jamaica. Foi quando conheceram um produtor tido como malandro na cena musical londrina chamado Chris Blackwell. Blackwell era dono da Island Records e tinha revelado o primeiro grande nome do reggae, Jimmy Cliff. Acontece que Cliff tinha acabado de sair da Island para assinar com uma grande gravadora. Blackwell viu naqueles jamaicanos, principalmente no carismático Bob Marley, seu novo Jimmy Cliff. Ele ofereceu o seguinte acordo para os rapazes. Ele pagava a passagem de volta deles para a Jamaica. Mas em troca, antes de partir, eles gravariam um disco, que Blackwell lançaria pela Island. Foi assim que surgiu um dos maiores clássicos do reggae, o disco Catch a Fire.

Importante dizer que na época dos Wailing Wailers na Jamaica, a banda interpretava canções de amor sem muito conteúdo. Mas, pouco antes da viagem para a Inglaterra, ainda com uns 18, 19 anos de idade, Bob Marley se converteu ao Rastafari. Uma seita religiosa criada na própria Jamaica, com base nas raízes dos negros etíopes, e que tinham a maconha como erva sagrada. Após sua conversão, Bob Marley passou a escrever canções que professavam sua fé, cantando sobre os principais valores do Rastafari, a igualdade, pureza, e amor. Bob Marley, Bunny Wailer e Peter Tosh realmente abraçaram a causa rasta, inclusive se tornando veganos, não consumindo álcool e nem tabaco, bem como drogas sintéticas.  Desta forma, o disco Catch a Fire já veio envolto numa densa névoa de maconha, literalmente, e de canções incríveis! Nessa época, a banda já se apresentava com o nome mais enxuto: The Wailers. Eles cumpriram sua parte no acordo com Blackwell, gravaram o disco e voltaram pra casa. Na Inglaterra, Blackwell se ligou que tinha uma pérola nas mãos e lançou o disco com uma alteração muito marcante, sem consultar a banda. O disco saiu em 1973 sob o nome Bob Marley and The Wailers. E, tal qual a fumaça do cigarrinho de artista da banda, a canção Stir It Up foi pras cabeças e alavancou a venda do disco. Bob Marley and The Wailers começavam a ganhar fama internacional.

Photo by Dennis Morris

Impulsionados pelas boas vendas na Inglaterra, a banda foi tentar a sorte nos Estados Unidos. Lá caíram nas graças da turma da música negra que dominava o começo dos anos 1970 e acabaram sendo contratados como banda de abertura dos shows da Sly and the Family Stone. Acontece que a turnê não durou mais que dez shows. De cara, o show de Bob Marley and The Wailers passou a ofuscar a atração principal. Muita gente pirava no show de abertura e acabava não dando muita bola para a Sly and the Family Stone. Resultado, tour cancelada para os jamaicanos. Mas tudo bem. Eles fizeram alguns shows por conta própria e começaram a fazer seu nome em solo ianque. Enquanto isso, a banda já começava a se estranhar. Esse negócio de Bob Marley and The Wailers pegou mau pro Bunny Wailer e pro Peter Tosh. Ego inflado + grana entrando. Já viu, né? De qualquer forma, a banda continuou produzindo. Ainda no final de 1973 a banda lança o segundo disco, Burnin’. O disco que fez realmente tudo mudar. Este disco caiu nas mãos de Eric Clapton, que chapou no som e acabou regravando I Shot the Sheriff. Foi quando o nome de Bob Marley se tornou conhecido mundialmente.

Daí em diante, foi só ladeira (e fumaça) acima. Claro que o trio fundamental, Marley, Wailer e Tosh, se dissolveu em meio a muita treta. Bob Marley, malandramente, acabou mantendo o nome Bob Marley and The Wailers em seus discos, mesmo sem Bunny Wailer e Peter Tosh. Entre 1973 e 1981 foram 11 discos lançados, todos com sucesso estrondoso no mundo todo. Bob Marley se tornou um proeminente ativista pelos direitos humanos e pela paz, tendo sido inclusive baleado num atentado na Jamaica. Mas não foi isso que o matou, mas sim sua teimosia. Em 1977 ele machucou o pé jogando futebol. Ficou com uma ferida feia no dedão do pé. Ferida essa que ele não cuidou. Talvez ele tenha esquecido… Enfim.  Só em 1980 que foi atrás de saber porque aquele machucado no dedo não sarava nunca. Acabou sendo diagnosticado com um raro melanoma. A solução era amputar o dedo. Mas Bob não topou. Temia que isso prejudicasse sua performance no palco, onde ficava em pé e dançava por horas. Além do mais, a crença rasta valorizava muito o corpo, e uma amputação ia contra esses conceitos.. No fim, o tal melanoma evoluiu para um câncer que se espalhou pelo corpo de Marley e acabou o matando em 11 de maio de 1981.

Photo by Dennis Morris

Vamos finalizando, porque esse texto já está enorme. Uma pena, porque a vida do Bob Marley é cheia de histórias incríveis e interessantes. Desde o atentado que ele sofreu na Jamaica por querer fazer um show gratuito para apaziguar os ânimos políticos do país, até sua breve passagem pelo Brasil onde teve seu visto de trabalho negado pelos militares e jogou uma pelada com Chico Buarque, Alceu Valença e Moraes Moreira. Sem falar que ele espalhou pelo mundo o reggae como forma de música de protesto, que foi incorporada pelos punks ingleses, em especial o The Clash. Mas quem sabe essas histórias não pintam por aqui numa outra oportunidade, né? Afinal, o Bob Marley tem tudo a ver com tudo que a Strip Me mais acredita e ama: Engajamento, personalidade, diversão e arte!

Vai fundo!

Para ouvir: Claro, uma playlist delícia com o que há de melhor na obra do Bob Marley, mas dando aquela desviada das obviedades. Top 10 tracks do Rei do Reggae.

Para assistir: Eu sei que não tem tanto a ver com o Bob Marley em si, mas eu acho que é um filme tão divertido e que traz tanto dessa aura jamaicana, além de ser um filme muito subestimado. Estou falando de Jamaica Abaixo de Zero, filme lançado em 1993 sobre a improvável equipe de trenó que disputou as Olimpíadas de Inverno do Canadá de 1988.

Para ler: O ótimo livro No Woman No Cry – Minha vida com Bob Marley, escrito pela esposa de Bob, Rita Marley e lançado no Brasil em 2019 pela editora Belas Letras. Uma narrativa detalhada e fluente sobre a trajetória de Bob Marley, tanto pessoal como profissionalmente.

Well, whatever… Nevermind.

Well, whatever… Nevermind.

 Um dos vídeos mais famosos do Nirvana é uma filmagem amadora de um show da banda em Dallas numa pequena casa de shows. O show foi um caos, vários problemas técnicos, PAs falhando e etc. Sem falar que o som do Nirvana sempre foi barulhento, abusando de microfonias. Eis que durante a música Love Buzz, na hora do solo de guitarra, Kurt Cobain faz um stage dive com guitarra no lombo e tudo. Ele está lá curtindo, se debatendo em cima da plateia, quando um dos seguranças o puxa de volta para o palco. Mas ele não quer ir, e, no reflexo, enfia a guitarra na testa do tal segurança. Quando Kurt volta ao palco, o segurança com a cabeça sangrando tá full pistola e já chega no soco e na bicuda pra cima dele e o caos se instaura. Nem o mais otimista dos seres humanos que visse este vídeo antes de setembro de 1991 acreditaria que aquela banda seria capaz de desbancar Michael Jackson na lista dos discos mais vendidos do ano.

A música pop produziu os mais variados fenômenos da década de 1950 pra cá. Um branco do sul dos Estados Unidos que misturou country com música negra, 4 moleques de uma cidadezinha portuária da Inglaterra que faziam músicas de amor e aposentaram a fase dos topetes no rock, um inglês que imortalizou sua imagem com um raio na cara e uma música plural e por aí vai. Mas nenhum desses fenômenos foi tão radical quanto a ascensão da banda Nirvana. Por mais que Elvis tenha sido um revolucionário misturando o country dos brancos com o R&B dos negros, o cenário musical estava pronto para isso. Os Beatles foram uma evolução natural daquele movimento que já contava com Buddy Holly e Little Richards. Bowie foi um gênio justamente por saber ler o que havia de melhor na vanguarda da música pop e recriar à sua maneira. Em nenhum desses casos houve ruptura. Com o Nirvana foi diferente.

Photo by: Michael Lavine

Até dá pra dizer que o rock estava em evidência em 1991. Mas era um rock afetado, narcisista. Guns n’ Roses lançava o megalomaníaco Use Your Illusion I e II, U2 se rendia ao pop em Atchung Baby e no front do rock mais pesado, o Metallica se rendia a baladas e mais melodias do que agressividade no clássico Black Album. O punk rock estava esquecido. A música alternativa, que sempre foi efervescente, vale dizer, continuava de boa ali no underground sem incomodar ninguém.  Pra não falar que não rolava rock alternativo no mainstream, o clipe de Losing my Religion, do R.E.M. estava bombando e o Sonic Youth tinha lançado Goo, um disco bem sucedido por uma grande gravadora, um ano antes.

Photo by: Kirk Weedle

Aliás, foi por causa do Sonic Youth que o Nirvana acabou assinando com a Geffen Records. Dizem que o pensamento dos executivos da gravadora era o seguinte: se o Sonic Youth vendeu 50 mil discos, o que eles consideravam um bom desempenho para uma banda alternativa, se o tal Nirvana vendesse igual ou um pouco mais, já valia a pena. Acontece que em dezembro de 1991, três meses depois de lançado, Nevermind já vendia 300 mil cópias por semana! Tudo por causa de um riff de guitarra grudento, uma letra reclamona e um clipe poderoso.

Photo by: Kirk Weedle
Photo by: Kirk Weedle

Nevermind é um disco brilhante e irretocável. Ali estão as melhores composições de Kurt Cobain, executadas por uma banda afiadíssima, um baixo marcante e preciso, uma bateria cavalar, harmonias incríveis e uma produção soberba. É um monte de elogios grandiosos, eu sei, mas não é exagero. Apesar de estar recheado de hits, o disco foi puxado por Smells Like Teen Spirit. Uma música que Kurt Cobain escreveu inspirado nos Pixies com sua dinâmica de guitarras distorcidas, verso suave e explosão no refrão. O clipe reforçava a letra da música, que reclamava da apatia juvenil, apresentando uma mini rebelião num ginásio de colégio com cheerleaders com o símbolo da anarquia punk estampado em suas blusas. Era tudo que uma juventude cansada de bandas super produzidas e astros pop inatingíveis precisava.

Photo by: Michael Lavine

A honestidade, o sarcasmo e principalmente as músicas excelentes do Nirvana caíram nas graças do mundo pop. Nevermind tirou Michael Jackson do topo dos discos mais vendidos e chutou a porta para um mundo desconhecido entrar. De uma hora pra outra, roqueiros maltrapilhos, de cabelos ensebados e usando bermudas e camisas de flanela passaram a frequentar capas de revistas e ter seus discos entre os mais vendidos. Na real, a maioria das bandas que apareceram como grande novidade da música já eram veteranos, com pelo menos três ou quatro discos já lançados na bagagem. Mudhoney, Pixies, Sonic Youth, Soundgarden, Screaming Trees, L7… essa turma toda já estava na ativa desde os anos 1980.

O Nevermind é o disco mais importante da década de 1990, e completa neste ano 30 anos de lançado. Responsável por uma revolução na música e no comportamento. Não se trata só de um disco com 12 músicas ótimas. Trata-se do disco de uma banda que sempre que podia, falava bem de outras bandas, que tinha personalidade e muito talento. Nevermind é a obra prima, mas tudo que o Nirvana lançou é bom demais. Bleach, Incestcide, In Utero, Unplugged in NY, os singles, discos ao vivo, bootlegs… não tem coisa ruim. É por isso que a morte de Kurt Cobain em 5 de abril de 1994 ainda é sentida e lembrada até hoje. E enquanto existirem jovens descontentes com guitarras na mão, continuará sendo.

Photo by: Charles Peterson

Vai fundo!

Para ouvir: Todo mundo conhece os clássicos do Nirvana. Mas tem muita coisa nas beiradas de toda a obra da banda que é genial e merece ser ouvida. Por isso, fizemos um top 10 tracks Nirvana que fogem do óbvio.

Para assistir:Tem muito material interessantíssimo sobre o Nirvana. Vou citar dois: Primeiro o home vídeo Nirvana Live! Tonight! Sold Out! que conta toda a trajetória da banda até a morte prematura de Kurt Cobain. O outro é o documentário Montage of Heck, que se presta a contar a história do Kurt Cobain através de sua própria obra e com vídeos e gravações cedidos pela família. Inclusive a produção é assinada pela Frances Bean Cobain, filha de Kurt.

Para ler: Claro! A indispensável biografia de Kurt Cobain  Heavier than Heaven, escrita pelo jornalista Charles R. Cross. Um livro completíssimo, super bem escrito e delicioso de se ler. Livro essencial para quem gosta de música.

Imunização Racional

Imunização Racional

É muito famoso o episódio em que os Beatles, entre outros artistas famosos, foram até Rishikesh, na Índia, para um retiro espiritual baseado nas tradições hindus de meditação. A estadia dos Beatles por lá acabou mal, numa situação que já apareceu em tantas versões diferentes, inclusive por parte dos rapazes de Liverpool, que ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Supostamente, o guia espiritual Maharish Mahesh Yogi, que era muito admirado por todos e se dizia casto e livre de pensamentos mundanos e das drogas ou sexo, havia tentado abusar sexualmente da atriz Mia Farrow durante o retiro. Lennon e Harrison se revoltaram e foram questionar o guru. Após da discussão, os Beatles abandonaram o retiro acusando o Maharish de ser mentiroso, de se fazer valer da fama da banda para se divulgar e etc. Isso aconteceu em 1968. No início dos anos 1970, quando os Beatles se separaram, essa história já era conhecidíssima em todo o mundo. Mas aparentemente, o cantor brasileiro Tim Maia, se soube dessa história, não prestou muita atenção. Ainda bem.

Crédito: Imagem de Divulgação do artista

Em 1974 Tim Maia já tinha 3 discos de sucesso estrondoso no currículo. Mas além de ser conhecido pela música, Tim Maia também era famoso por ser um puta louco, que não media esforços para consumir uma dieta farta em comidas altamente calóricas, muito álcool, nicotina e todo o tipo de drogas imagináveis. Naquele ano, em uma de suas costumeiras visitas a seu amigo Tibério Gaspar, Tim Maia, que estava viajando de mescalina, viu jogado na sala de Tibério um livro. Ele pegou e começou a folhear, se interessou, levou pra casa e o leu inteiro. Por alguma razão desconhecida, aquele livro fez todo o sentido na cabeça de Tim. O livro era O Universo em Desencanto .

Crédito: Acervo da família

Pra resumir, esse livro dizia o seguinte: Nós, humanos, não somos originalmente da Terra. Somos do planeta Racional Superior, e estamos exilados na Terra. Aqui estamos animalizados, sujos e magnetizados por forças negativas. Todos precisamos alcançar a imunização racional, que só pode ser alcançada lendo e seguindo os ensinamentos do livro O Universo em Desencanto. Uma vez imunizados, estaremos prontos para que os discos voadores venham nos buscar e nos levar para nosso planeta de origem. Só mesmo o Tim Maia louco de mescalina pra cair numa patacoada dessa! Mas ele não só caiu, como forçou toda a sua banda a entrar na mesma onda. Dali por diante, todo mundo só poderia usar roupa branca, porque muitas cores nos magnetizam, ninguém mais pode beber, fumar, cheirar, fazer sexo sem fins de reprodução e nem comer carne vermelha.

Crédito: Imagem de divulgação do artista

Claro que a banda não gostou nada da brincadeira. Mas, a princípio, todo mundo  fingia que estava seguindo tudo direitinho, porque eles estavam produzindo um som inacreditável. Tim Maia vinha de um fim de relacionamento que o devastou, mas o deixou muito criativo. Além do mais, ele estava ouvindo feito louco Curtis Mayfield, Isaac Hayes, Sly & Family Stone… e produzindo canções inspiradíssimas, influenciadas por essa turma. Quando pintou o lance Racional, Tim Maia simplesmente pegou essas canções incríveis que tinha escrito, colocou letras falando única e exclusivamente sobre imunização racional e o O Universo em Desencanto. Gravou assim o Tim Maia Racional. Com o disco pronto, Tim levou até sua gravadora para que fosse prensado e distribuído. Óbvio, que a gravadora não aceitou. Todo mundo admitia a qualidade musical da bolacha, mas as letras das músicas  faziam do disco um suicídio comercial. Tim Maia, então, abandona a gravadora, cria seu próprio selo, a Seroma Discos, e lança de forma independente Tim Maia Racional Vol1 e Vol2. Vale dizer também que, sob a filosofia Racional, Tim Maia parou de beber, fumar, usar drogas e comer carne vermelha. Ele emagreceu e sua voz ganhou uma potência e brilho assustadores. A performance vocal dele nessa época é de arrepiar.

Acontece que esse papo chato de imunização racional era dose mesmo. Ninguém aguentava. Mas o Tim Maia trabalhava incansavelmente em prol da causa Racional. Mas a vida dele só piorava. Ele estava sem dinheiro, a mulher o abandonou (de novo), estava sem gravadora, os músicos estavam de saco cheio e também ameaçavam deixar a banda… até que em setembro de 1975, já há um ano insistindo nessa maluquice, Tim Maia acordou com uma puta vontade de comer uma picanha mal passada, tomar cerveja e fumar um baseado (não necessariamente nessa ordem). Foi ter uma conversa com o guru da parada, o seu Manuel Jacintho Coelho, ninguém sabe o que exatamente foi dito, mas Tim Maia saiu de lá irritado, foi pro seu apartamento, botou fogo na suas roupas brancas, mandou quebrar todos os discos que ainda não tinham sido vendidos e, peladão, enquanto suas roupas pegavam fogo, gritava da sua janela um caminhão de palavrões dirigidos ao guru Racional.

Crédito: Imagem de divulgação do artista

A vida voltou ao normal, Tim Maia na sua dieta de sempre, voltou a compor canções pop de altíssimo nível e acabou transformando seus discos da fase Racional em verdadeiras relíquias da música brasileira. Como ele ficou puto (com razão) com tudo que aconteceu, nunca mais falou no assunto e deu fim nos discos, que se tornaram raríssimos. Depois da morte de Tim Maia em 1998, os dois discos da fase racional foram redescobertos, viraram cults e os poucos discos existentes começaram a aparecer sendo vendido por mais de 2 mil reais. Mas não acaba aí. Ninguém sabia, mas estava guardado num estúdio pequeno no Rio o Tim Maia Racional Vol3. As fitas foram gravadas pouco antes de Tim Maia deixar a seita e ficaram guardadas nesse tal estúdio porque Tim Maia não havia pago pelas horas de gravação, e o dono não liberou as gravações pro Tim. Em 2011 o músico e produtor carioca Kassim pegou esse material bruto, deu um talento e disco foi finalmente lançado.

Crédito: Sonia D’Almeida

O que a gente mais precisa nos dias de hoje é imunização. E quem precisa ser racional são os governantes. Mas tá difícil, né. Enquanto a nossa imunização não chega (sem falar na racionalidade do governo), o jeito é esperar de boa. Vai que a Cultura Racional tá certa e a gente acaba vendo algum disco voador por aí. Aliás, não sei se você sabe, mas na música mais famosa dessa fase, a clássica, Imunização Racional (Que Beleza), Tim Maia não canta meros “uh uh uh, que beleza”. Mas sim ele canta “UFO UFO UFO, que beleza”. Pega pra ouvir com calma, com o fone de ouvido que você vai se ligar. Por essa nem o Fox Mulder esperava, hein… então a gente finaliza por aqui. A verdade está lá fora. De máscara, claro.

Vai fundo!

Para ouvir: Aquela playlist imunizada no capricho! Selecionamos o que há de melhor nos 3 volumes do Tim Maia Racional. Um Top 10 Tracks Tim Maia Racional.

Pra ler e assistir: Não dá pra deixar de recomendar a biografia do Tim Maia escrita de forma deliciosa pelo Nelson Motta. Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia é um livro sensacional que conta todos os causos, a obra e a trajetória da vida do Tim Maia. E o filme Tim Maia, lançado em 2014, dirigido pelo Mauro Lima tem o roteiro adaptado do livro do Nelson Motta. E, olha, o filme tá disponível no catálogo da Netflix.

Perfil Collab STM: Adão Iturrusgarai

Perfil Collab STM: Adão Iturrusgarai

Não tem nada mais controverso, apaixonante, provocante e original do que o humor!  Pode se teorizar em cima o quanto for, tentar impor limites, regras… o humor de verdade só funciona quando incomoda, quando te faz rir e pensar ao mesmo tempo. Exemplo disso é a obra inteira do Adão Iturrugarai. Cartunista, roteirista, escritor e artista visual, sempre com um pé na comédia, quando não com o corpo todo. Não é à toa que um artista desse naipe faz parte dos collabs da Strip Me.

O Adão nasceu em Cachoeira do Sul, cidade gaúcha localizada no centro do estado, na região conhecida como Depressão Central, onde o relevo é de baixa altitude. Inserido em plena depressão central, Adão não viu outra opção senão ser humorista e contrariar tudo que estivesse ao seu alcance. Pra ajudar ainda tinha o rock n’ roll, que também servia de incentivo a rebeldia. Adão achou no desenho a sua voz, e desenhava em tudo quanto é lugar. Calçadas, muros, paredes do banheiro da escola… às vezes até numa folha de papel. Tudo isso de caso pensado, sabendo que ia incomodar.

As primeiras referências vieram do legendário Pasquim com seu humor crítico e os desenhos do genial Henfil. Mas a parada mudou mesmo quando tomou contato com o Angeli, Laerte, Glauco… aquela geração de artistas que realmente revolucionou o cartum brasileiro. Com eles, vieram as obras de Robert Crumb e Gilbert Shelton, e Adão realmente achou seu caminho. Claro, tudo isso misturado ao rock n’ roll e ao cinema, que já era uma paixão, aqueles filmes franceses da nouvelle vague e tal. Tudo isso moldou um artista de personalidade forte e muito plural. Tanto que, além do desenho, Adão já trampou como roteirista em programas como o divertido TV Colosso e o ótimo Casseta e Planeta, ambos na Globo dos anos 1990.

Mas o Adão é conhecido mesmo pelos desenhos. Criou personagens emblemáticos como a dupla Rocky & Hudson, cowboys gays que precederam o famoso filme Brokeback Mountain, e a Aline, uma mocinha bem libertária, pra dizer o mínimo. Nos anos 1990 chegou a editar uma revista, além de participar de publicações como a Chiclete com Banana, do Angeli. Ah, inclusive ele participou como um quarto amigo no clássico trio Los Tres Amigos (Angel Villa, Laerton y Glauquito). De lá pra cá, seus cartuns, charges e tiras ilustram publicações brasileiras e de vários outros países na América Latina e Europa.

E foi essa mistura de inquietação, cultura pop, rebeldia e rock n’ roll que ligou o Adão Iturrusgarai com a Strip Me. Sempre ligado em ícones pop, Adão sempre curtiu fazer releituras de obras famosas e capas de discos, desenhos que funcionaram perfeitamente como estampas de camisetas. Depois de recriar capas de discos como Nevermind, Velvet Underground and Nico, Goo, entre outros, Adão viu que o Abaporu dava pano pra manga. Aí vieram várias versões incríveis e divertidíssimas deste ícone do modernismo antropofágico brasileiro. Aliás, total antropofágicas artisticamente essas versões do Adão.

O Adão é um baita artista massa, que a Strip Me se orgulha demais de ter como collab. Com certeza um dos cartunistas mais importantes do Brasil, criativo e questionador, que deixou para trás a depressão central em que vivia quando jovem, para hoje desfrutar de caminhadas matutinas, onde seu cérebro incansável fervilha de ideias que serão colocadas no papel ou não). Pra conhecer o trampo do Adão além das estampas da Strip Me, você pode acessar o site dele que tem muito conteúdo legal e também o Instagram.
iturrusgarai.com
@adaoiturrusgarai

Vai fundo!

Para ouvir: Claro que a playlist deste post foi concebida pelo próprio Adão. E como o bicho é do contra, acabou selecionando 11 canções, ao contrário das costumeiras 10 tracks. Mas tudo bem, a gente acabou liberando diante das ótimas escolhas que ele fez. Confere aí o Top 10+1 tracks do Adão.

Caetano Veloso

Caetano Veloso

O Caetano Veloso é um dos artistas mais surpreendentes do cenário musical brasileiro. Não é exagero, é fato. Porque a verdade é que poucas pessoas conhecem a obra e a vida do Caetano com profundidade suficiente. De maneira geral, as pessoas conhecem fragmentos dele. E são muitos fragmentos! Há quem o conheça por suas canções mais famosas, como Sampa, Leãozinho, Você é Linda e etc. Uma turma mais descolada, conhece o Caetano tropicalista e vanguardista dos discos Transa e Araçá Azul. A turma menos ligada em música e mais conservadora, conhece ele por seu polêmico casamento e seu posicionamento político. E a turma mais nova, que já nasceu com a internet na ponta dos dedos, talvez não conheça nada de sua vida e obra, mas o conhece pelo já clássico meme “Você é burro, cara.”. Sem falar que é um artista tão emblemático que seu nome já virou verbo, desde muito criança tinha um gosto musical inusitado, ajudou a conceber e divulgar o axé music e o carnaval dos trios elétricos de Salvador, já fez um disco à partir de uma improvável inspiração numa barulhenta banda alternativa norte americana… olha, é tanta história!

Caetano Veloso (1967)

Caetano Emanuel Vianna Teles Veloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, interior do estado da Bahia, no dia 07 de agosto de 1942. Filho de José Veloso e Dona Canô. foi o quinto dos sete filhos do casal.  Quando Caetano tinha 4 anos, sua mãe deu a luz a uma menina. Os pais então pediram para que cada um dos 5 irmãos da recém nascida escolhesse um nome, que seria, cada nome, escrito num papel e depois sorteado igual amigo secreto. Na época, Caetano, mesmo muito novinho, já escutava muito rádio e adorava os boleros sofridos que faziam sucesso na voz de Nelson Gonçalves. Uma desses boleros era a canção chamada Maria Bethânia. O garoto adorava a música e escolheu aquele nome para sua irmã. Acabou que foi este o nome sorteado pelo pai. Maria Bethânia acabou se ligando a música e se tornou uma das cantoras mais respeitadas do país no futuro.

Transa (1972)

Caetano Veloso cresceu ouvindo Nelson Gonçalves, Luis Gonzaga e Orlando Silva. Aos dez anos já fazia aulas de piano e começou a alimentar a ideia de viver de música. Com 16 anos foi um dos tantos jovens impactados pelo revolucionário disco Chega de Saudade, de João Gilberto. Em 1965 conheceu Gilberto Gil e Gal Costa. Um ano depois passou a participar dos festivais de música com suas composições e se ligar a outros músicos como Tom Zé, Rogério Duprat e Os  Mutantes. Nascia assim o Tropicalismo, movimento bicho grilagem dos trópicos que já foi contado em detalhes aqui. Nessa mesma época, Caetano se encantava com o carnaval de rua de Salvador, com seus blocos que misturavam tradições africanas com instrumentos contemporâneos. Essa música diferente era tocada em carros de som, depois chamados trios elétricos. Dodô e Osmar desenvolveram a guitarra baiana, uma guitarra de tamanho reduzido, uma espécie de cavaquinho de corpo maciço e com captadores, que protagonizavam os grupos. Um dos trios mais famosos era o dos Novos Baianos. Encantado com essa festa toda, Caetano compõe a famosa Atrás do Trio Elétrico, um dos sucessos do seu terceiro disco, lançado em 1969. A toada empolgante e melódica de Atrás do Trio Elétrico iria contagiar jovens como  Luiz Caldas, que iriam tornar o carnaval da Bahia nacionalmente famoso e dar início ao movimento que ficaria conhecido como Axé Music na década seguinte.

O tropicalismo já deixava claro que Caetano tinha em seu dna o rock n’ roll, ainda que não fosse um gênero presente em sua formação musical, mas que foi incorporado com muita naturalidade ao conviver com músicos tão diferentes. Em 1969 Caetano e Gil foram presos e exilados. Acabaram indo para Londres, onde ficaram até 1972. Na capital inglesa Caetano gravou dois discos: Caetano Veloso, lançado em 1971 e Transa, lançado em 1972. Em ambos os discos, se misturam letras cantadas em inglês e português, além de muitas referências  do rock e pop, influências que permaneceriam e dariam as caras ao longo de toda a obra futura do compositor. O disco Transa inicia uma fase que é considerada por muitos a mais inspirada de Caetano, que se estende até 1977. Neste período estão, além de Transa, os discos Araçá Azul, Qualquer Coisa e Jóia.

Bicho (1977)

No fim dos anos 1970 e começo os 1980, Caetano se reinventa, monta uma banda de apoio nova e incorpora sonoridades modernas, do pop e discothèque. Por isso foi muito criticado, mas lançou ótimos trabalhos, sem deixar de lado a brasilidade que faz parte de sua personalidade. Tanto é que é nessa época que foram lançados alguns de seus maiores sucessos, a dançante Odara e a bossanovista Sampa. Nos anos 1990 mais uma virada. A gravadora passou a insistir que ele gravasse um disco com suas músicas vertidas ao espanhol, para alcançar o púbico latino, Caetano se recusa, preferindo gravar um disco dedicado a este público somente com músicas latinas de compositores latinos, canções que ele sempre gostou. É lançado então Fina Estampa em 1994, disco com músicas belamente arranjadas por Jacques Morelenbaum. Uma das canções gravadas nessa fase entrou na trilha sonora do ótimo filme Fale com Ela, do Almodóvar. Em 2009 Caetano dá outra guinada em sua carreira. Passou a tocar com jovens de vinte e poucos anos, amigos de Moreno Veloso, um de seus filhos. Em uma noite, um desses rapazes colocou pra tocar um disco dos Pixies enquanto todos batiam papo na sala. Caetano pirou no disco e quis fazer um disco mais rock n’ roll, lançando naquele ano o esquisito disco Zii & Zie.

Tá vendo, é muita história que esse cara tem. Um baita compositor, sempre se reinventando e influenciando muita gente! Um dos artistas que mais foi influenciado pelo Caetano foi o músico e compositor Djavan, que acabou o homenageando de maneira inusitada, transformando o nome do baiano num verbo. Trata-se da música Sina, um dos maiores sucessos de Djavan, que contém os versos “Virá lapidar o sonho até gerar o som. Como querer caetanear o que há de bom”. Claro, vale dizer que Djavan rivaliza de igual para igual com Jorge Benjor quando se trata de escrever letras de música que não fazem o menor sentido. Mas enfim, não deixa de ser uma homenagem do Djavan ao Caetano. Da mesma maneira, não dá pra negar que Caetano deu algumas bolas fora ao longo de sua trajetória. Afinal, não dá pra aguentar a melosa e breguíssima Sozinho, bem como a interpretação sofrível que ele fez para Come As You Are, do Nirvana, no disco A Foreign Sound, de 2003.

Zii & Zie (2009)

Mas Caetano Veloso é um baita artista, que merece ser reverenciado por tudo que já fez na música brasileira. Com certeza conhecer cada um dos seus fragmentos, suas fases e sua obra por inteiro vai te surpreender mais do que você imagina!

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist cremosa com o que há de melhor de cada fase do Caetano Veloso! Confere lá nossa playlist Caetano Veloso – Top 10 tracks.

Para assistir: A história do envolvimento do Caetano com o carnaval da Bahia e os trios elétricos é muito bem retratado no excelente documentário Axé: Canto do Povo de um Lugar, lançado em 2016 e dirigido por Chico Kertész. Além da relação de Caetano com o axé, o doc é interessantíssimo e oferece uma perspectiva profunda sobre o tema. Tem na Netflix e eu recomendo demais.

Para ler: Um dos principais cronistas da música popular brasileira entre as décadas de 1960 e 1980 é o jornalista Nelson Motta. Entre tantos livros que ele escreveu, o Noites Tropicais é o meu favorito. Uma coletânea de crônicas e memórias do autor sobre os mais inacreditáveis, engraçados e curiosos acontecimentos do mundo musical. O livro é da editora Ponto de Leitura e foi lançado em 2009. Leitura agradabilíssima e enriquecedora.

Este e outros Carnavais.

Este e outros Carnavais.

O carnaval é parte essencial da identidade do Brasil. Não há como negar. Você pode não gostar de samba, de folia, de multidões pelas ruas… mas ainda que você simplesmente aproveite esses dias de feriado para ir para uma cachoeira no meio do mato, ou ficar em casa lendo livros ou vendo filmes, o carnaval já te influenciou também. Sem falar que o carnaval está aqui desde os tempos do descobrimento e ajuda a contar a história do país! As marchinhas, sambas e sambas enredo são verdadeiras crônicas de sua época. E, em alguns casos, os compositores desses sambas acabaram se tornando grandes ícones, extremamente influentes, da música e cultura popular brasileira.

Carnaval Rio de Janeiro circa 1950 – Photo by Marcel Gautherot

De cara, já vamos falar do ilustre Angenor de Oliveira. Nascido em 1908, o nome escolhido pelo seu Sebastião e dona Aida de Oliveira, pais do bebê, era Agenor. Mas na hora do registro no cartório, acabou saindo Angenor. Mas isso ninguém ficou sabendo. Porque todo mundo chamava ele de Agenor mesmo na infância. Morando no bairro das Laranjeiras, o menino ganhou um cavaquinho aos 8 anos de idade e já saiu pela rua acompanhando os blocos que rolavam por lá. Quando ele já era adolescente e torcedor do Fluminense, a família, com problemas financeiros, se mudou para um favela que começava a se desenvolver no morro da Mangueira. Lá fez amizade com um jovem um pouco mais velho chamado Carlos Cachaça. Para levantar um dinheiro, Angenor começou a trabalhar como ajudante de pedreiro.  Para evitar chegar em casa todo dia com o cabelo sujo e cheio de cimento, ele trabalhava usando um velho chapéu de seu pai, o que lhe rendeu o eterno apelido de Cartola. Com Carlos Cachaça, Cartola não só compôs grandes canções como também fundou a Estação Primeira de Mangueira, escola de samba mais emblemática do país.

Cartola com as premiações da Mangueira em 1969 – Photo by Maureen Bissiliat

Na mesma época em que Cartola escrevia seus primeiros sambas na Mangueira, em outro bairro do Rio de Janeiro, outro jovem se destacava como grande compositor de sua comunidade. No bairro de Vila Isabel, em 1910 dona Marta Rosa teve um parto complicadíssimo, em que se fez necessário o uso do fórceps para salvar as vidas da mãe e do bebê. Como se não bastasse, o rebento ainda nasceu com hipoplasia, uma má formação da mandíbula. O que fez com que ele crescesse com uma fisionomia muito particular. Por nascer em dezembro, perto do Natal, o nome escolhido pela dona Marta e seu Manuel Rosa foi Noel. A família Rosa não era rica, mas tinha uma vida confortável. Noel estudou no famosos Colégio de São Bento, mas apesar de demonstrar ser muito inteligente, era avesso aos estudos, que trocou facilmente pela música e a vida boêmia. Seu primeiro sucesso veio em 1930, o clássico Com que Roupa Eu Vou? Seus sambas passaram a ser gravados pelos maiores nomes do rádio e embalavam os blocos de carnaval de todo o Rio de Janeiro e, posteriormente, do Brasil. Mas para Noel Rosa a festa durou pouco. Dado aos excessos, morreu de tuberculose aos 26 anos de idade.

Noel Rosa em ensaio fotográfico de 1934 – Photo by Arquivo Nirez

Aliás, é importante dizer que esse lance de escola de samba é coisa nova, do começo do século XX. Porque o negócio antes era só bloquinho de rua mesmo. E era uma loucura. Você já sabe que o carnaval é uma festa que remonta a tempos antigos, muito antes do cristianismo. Em 520 a.C. já rolava a Saceia, na Babilônia, uma festa em que por 5 dias os principais criminosos condenados a morte eram considerados reis e tinham todos seus desejos atendidos, até que no quinto dia, eles era torturados e mortos. Depois vieram as festas gregas e romanas como a Saturnália, no Egito tinham as festas em homenagem a deusa Isis, deusa da fertilidade… eram todas festas de liberou geral, muito vinho, aglomeração e etc. Até que veio o cristianismo. Por volta do século VII o Papa Gregório Magno instaurou a festa de carnis nevale, do latim se traduz como negação da carne ou proibição. Ou seja, era um dia de preparação, em que se consumia muita carne, para que se ficasse os próximos quarenta dias sem comer nada de origem animal, a famosa quaresma que antecede a páscoa. A turma reclamou que um dia era pouco, o vaticano deu o braço a torcer e viraram três dias, e era uma festa daquelas! E lógico que isso chegou no Brasil junto com os portugueses, que eram um povo muito católico. As primeiras cidades brasileiras foram Salvador, Olinda e Rio de Janeiro, cidades que mantém até hoje a tradição inabalável do carnaval.. Com essa tradição católica, misturou a cultura indígena e africana, em Pernambuco o Maracatu começa a ser desenvolvido, como você já leu aqui… e cá estamos nós hoje.

Carnaval de rua no Rio de Janeiro da década de 1950 – Photo by José Medeiros

Cá estamos nós hoje sem carnaval, aliás, né! Mas tudo bem. Não é a primeira vez que o Brasil fica sem carnaval. Já passamos por isso em 1892 e 1912. Mas isso é outra história. Até porque se é pra falar de história, vamos falar do carnaval de 1919! Esse sim! O carnaval mais triunfante, arrebatador e alucinante de todos os tempos! Foi o carnaval que comemorou o fim da Gripe Espanhola. Depois de um ano e meio de confinamento, sofrimento, morte, falta de remédio, falta de vacina, falta de ação do governo… finalmente a epidemia da Gripe Espanhola estava controlada e todos podiam sair às ruas! A alegria era tanta que os foliões invadiam as casas por onde passavam arrastando os moradores para a rua para pular o carnaval!

Capa da Gazeta de Noticias sobre o carnaval de 1919

O carnaval deste ano, que não existiu, já passou. Falta pouco pra gente poder sair por aí, aglomerar gostoso e fazer folia, cada um do seu jeito. A gente não vê a hora de fazer o nosso carnaval! Seja no bloquinho de rua ou na cachoeira. Diversão e arte, e os melhores rolês, Strip Me vai estar sempre presente.

Vai fundo!

Para ouvir: A gente falou de Cartola e Noel Rosa, mas são muitos os nomes fundamentais no samba e carnaval. Lamartine Babo, Haroldo Lobo, Chiquinha Gonzaga, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa… tudo isso você confere na nossa playlist carnavalesca. Top 10 tracks do bom e velho carnaval.

Para assistir: No texto sobre bossa nova, publicado aqui anteriormente, foi citada a peça Orfeu Negro, escrita por Vinícius de Moraes com música de Tom Jobim. Pois em 1999 foi lançado Orfeu, filme de Cacá Diegues que faz uma releitura da obra de Vinícius de Moraes. O filme é ótimo e, entre outras qualidades conta com uma ótima trilha sonora sob o comando de Caetano Veloso. Não é um filme tão fácil de achar, mas vale o esforço.

Para ler: Com certeza um dos melhores livros que li até hoje é a biografia de Adoniran Barbosa, o mestre do samba paulista. Adoniran – Uma Biografia, escrito por Celso de Campos Jr é um livro excelente! Lançado em 2004 pela editora Globo, este livro apresenta não só a história detalhada da vida de Adoniran Barbosa, como entrega um panorama da comunicação no Brasil, o rádio e o surgimento da televisão. Livro recomendadíssimo!

Maracatu Atômico!

Maracatu Atômico!

A intenção deste blog não é ficar dando aula de história, ter um tom professoral, nem nada do gênero. Estamos aqui pra falar de tudo que envolve o universo da Strip Me de maneira agradável, empolgante e divertida. Por isso mesmo, normalmente usamos causos e histórias interessantes envolvendo o tema abordado, que por si só consigam ilustrar e dar um panorama sobre o que está sendo falado. Foi assim que falamos aqui sobre os modernistas e o movimento antropofágico e sobre a bossa nova, por exemplo. Mas o assunto deste texto é tão interessante e tem uma origem tão forte, que vale a pena a gente fazer uma abordagem através da história do Brasil.

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Photo by: Percio Campos

Afinal, qual é a manifestação cultural mais genuinamente brasileira? De pronto muita gente pode dizer que é o samba. Outros podem ir mais fundo e dizer que são as danças e pinturas corporais dos índios. Porém, a essência do Brasil é a mistura. É verdade que essas terras já eram dos índios há muito tempo. Mas não dá pra negar que o Brasil nasceu, de fato, com a chegada dos europeus no século XVI. Sendo Assim, podemos dizer que que a manifestação cultural brasileira mais autêntica é o maracatu! A origem da palavra é tupi: maracá-tu, que significa batida do maracá. Maracá é um chocalho, um instrumento de percussão. Entretanto, o maracatu era praticado essencialmente por negros e mamelucos, escravos. E tinham em sua simbologia, cortesãos, estandartes, reis e rainhas, influência dos europeus. Mais brasileiro impossível, né?

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No século XVII Pernambuco era a maior região produtora de açúcar no país. Ali, os senhores de engenho reprimiam qualquer manifestação cultural ou religiosa dos escravos. Mas havia uma exceção: a coroação do rei e da rainha do Congo. O rei do Congo era uma espécie de líder dos negros da região, tinha contato direto com os senhores de engenho e muitas vezes era quem conseguia conter possíveis revoltas e fugas, por isso, a coroação do rei e da rainha do Congo era uma festividade tolerada. Era um dia de festa onde havia muita música e alegorias, que foram inseridas pelos negros para facilitar a aceitação dos europeus, como estandartes coloridos e personagens interpretando vassalos e cortesãos do rei e da rainha. Também neste evento os negros aproveitavam para fazer seus rituais e orações aos orixás. Essa festa foi a semente do maracatu. Mas ele tomou forma na zona da mata pernambucana, nos quilombos de escravos que fugiam das fazendas. Ali negros se misturavam aos índios, e a festa de coroação do rei do Congo recebia influência das tradições indígenas, como a dança em roda e também uma mistura de ritmos tribais. Com o passar do tempo, tudo isso foi se misturando e criando uma identidade única.

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Photo By: João Velozo

No século XVIII o maracatu já era uma tradição enraizada na cultura de todos os escravos de Pernambuco. No século seguinte, com a abolição dos escravos, as festas de maracatu migraram para os terreiros de candomblé e passou a ir para as ruas durante os dias de carnaval, onde a população abraçava o ritmo, as cores e alegorias. Entre os anos 1950 e 1980 o maracatu esteve em baixa. Não foi esquecido, mas ficou restrito a poucos terreiros de Pernambuco, perdendo espaço para o frevo, que também era um ritmo muito apreciado e, para a população em geral, tinha a vantagem de não ter nenhuma ligação religiosa.

Photo by: Yuri Graneiro
Photo by: Marcus Leoni

Na década de 1990 vários artistas e agitadores culturais de Pernambuco começaram a resgatar o maracatu, o desvinculando do candomblé, tornando-o mais atrativo. Na frente deste movimento estava a Mangue Beat, cena musical que resgatava o maracatu usando instrumentos contemporâneas como guitarras e também misturando diferentes estilos musicais. Estamos falando de Mestre Ambrósio, Mundo Livre SA e, é claro, Chico Science & Nação Zumbi. Nunca o Maracatu Atômico de Jorge Mautner fez tanto sentido.

Photo by: Ueslei Marcelino
Photo by: Marcus Leoni

Hoje o maracatu está presente no carnaval pernambucano e segue firme e forte com grupos que, além de serem agremiações carnavalescas, são centros comunitários que ensinam música, teatro e mantém viva a história do estado de Pernambuco. Alguns desses grupos são tradicionalíssimos e estão em atividade desde o século XIX. Além do mais, pode se dizer sem medo de errar que o samba surgiu desses batuques do maracatu que extrapolaram os terreiros de candomblé. O maracatu é a essência da cultura popular brasileira. Uma mistura de influências e raças que resultam numa explosão de cores, ritmos e muita história. Com certeza o maracatu faz parte da nossa identidade, ainda mais se ele vem misturado com uma guitarrinha distorcida e um som de arrebentar  pra todo mundo poder curtir. Afinal, esse é o nosso negócio: Diversão e arte!

Photo by: Percio Campos
Photo by: Marcus Leoni

 Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist cheia de ritmo pra você conhecer, entender e gostar de maracatu. Top 10 tracks maracatu!

Para assistir: Recomendo um documentário simples, mas bem interessante e repleto de imagens incríveis sobre a cena cultural, em especial no período do carnaval, na cidade de Olinda. Olinda – Cidade Cultura tem direção do Marcelo de Paula, foi lançado em 2002 e conta com depoimentos de artistas do naipe de Alceu Valença! Vale a pena ver. Disponível no catálogo da Amazon Prime Video.

Para ler: A editora Cobogó tem uma coleção de livros publicados chamada O Livro do Disco. Até agora são 21 livros, cada um dissecando um disco influente da música pop. Tem de tudo, do Low, do Bowie, ao Clube da Esquina, do Estudando o Samba, do Tom Zé, ao In Utero, do Nirvana. E, claro, está lá O Livro do Disco Da Lama Ao Caos – Chico Science & Nação Zumbi, escrito pela excelente jornalista Lorena Calábria e lançado em 2019. Livro mega recomendado, bem como todos desta coleção.

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