Delícias da Transformação

Delícias da Transformação

Os primeiros europeus que chegaram no Brasil á partir de 1500 deram de cara com povos esquisitíssimos. Além da língua incompreensível que falavam, tinham hábitos muito incomuns. Andavam nus, depilavam o corpo, tomavam banho diariamente, alguns eram muito agressivos, eram afeitos à guerra e, quando guerreavam, capturavam seus inimigos mais fortes e os comiam em rituais místicos. Em resumo, era um povo muito limpinho, mas canibal. Mas o ato de comer carne humana não era pelo simples alimento. Eles acreditavam que comendo seus inimigos, os índios incorporavam suas qualidades, como bravura, força e inteligência. Era o que acabou ficando conhecido como banquetes antropofágicos.

Vários europeus  do século XVI presenciaram e registraram tais banquetes em seus diários. O relato mais famoso foi o do alemão Hans Staden, que esteve no litoral do atual estado de São Paulo, mais especificamente em Ubatuba, em 1554 e foi capturado pelo índios Tamoio. A história desse cara é inacreditável, era pra ele ter sido comido, mas por uma porção de acasos, incluindo ele se passar por francês, ele ficou como prisioneiro por mais de um ano na tribo e acabou sendo libertado. Mas durante a sua estadia presenciou alguns desses rituais antropofágicos. Em 1557 Staden volta para a Europa, onde escreve um livro contando o que viveu no Novo Mundo, livro este que se torna um sucesso.

Ao raiar do século XX, mais de 350 anos depois de Hans Staden voltar pra casa e colocar no papel sua história, um intelectual chamado Eduardo Prado redescobre o livro de Staden e o publica no Brasil. Oswald e Mario de Andrade, Tarsila do Amaral e toda a turminha modernista da Semana de Arte de 1922 lê este livro e faz a conexão com o primitivismo e a busca de uma identidade que eles tanto queriam. Assim como os índios deglutiam seus inimigos ritualisticamente para absorver sua força, bravura, e inteligência, os modernistas entenderam que não precisavam renegar a arte que vinha da Europa, mas sim absorvê-la e transformá-la em algo novo e genuinamente brasileiro. Surge assim o Manifesto Antropofágico.

Assim como a história, a arte não é estática e imutável. Ela é volátil, deliciosamente mutante e adaptável aos novos tempos, aos novos conceitos. A arte não tem dono porque ela é única pra cada um, seja para quem a produz, como para quem a consome. É nessa aura livre, de absorção e transformação que a Strip Me está sempre se reinventando e apresentando novas coleções e novas estampas. É o caso da nova coleção com capas de discos clássicos em versão minimalista. Discos que, além de clássicos incontestáveis, verdadeiramente nos encantam e influenciam, e aparecem nesta coleção com a cara da Strip Me, numa estética moderna e descolada.

Além do mais são discos que tem tudo a ver com as transformações e antropofagias da arte. Afinal, uma das maneiras mais objetivas de descrever o primeiro disco dos Strokes, o brilhante Is Thsi It?, é dizer que se trata de uma banda que deglutiu avidamente Velvet Underground e Rolling Stones, para em seguida conceber uma música visceral e muito original, mas que não nega suas origens. Não é à toa que, quando este disco foi lançado, em 2001, muita gente alardeou se tratar do novo Nirvana.

Sim, porque a banda de Kurt Cobain havia sido catapultada para o sucesso dez anos antes com o disco Nevermind seguindo a cartilha da busca pela originalidade absorvendo tudo de bom que veio antes deles. Nirvana reinventou o punk rock, conseguiu impor no mercado moralista e irreal da música pop uma mistura inigualável de agressividade e lirismo com bases fincadas no mundo real, na apatia e inconformismo juvenil, além, é claro, de referências sensacionais da música. Iggy Pop & The Stooges, Bob Dylan.. ah, sim, e também David Bowie!

Mas é claro! Não dá pra não falar do camaleão do rock, a personificação da antropofagia musical, the one and only David Bowie! O cara ajudou a moldar toda a estética dos anos 70, transcendendo a música tanto quanto a capa o disco Alladin Sane, de 1973, que se tornou icônica. Neste disco, além de todas as suas influências pregressas, este disco é altamente antropofágico, pois Ziggy Stardust é morto e devorado, para que Bowie renasça como Alladin Sane. Com certeza um dos discos mais irrepreensíveis de Bowie. Um disco com grandes canções e uma capa tão marcante quanto aquela daqueles caras atravessando uma rua.

Se o Bowie é a personificação a antropofagia musical, os Beatles com certeza são a alma. É indiscutível que a transformação mais incrível que a música pop já viveu se deu por culpa desses 4 caras e Liverpool. É só pegar os principais discos de 1960 pra trás. Era tudo meio parecido. Rocks ótimos e muito divertidos, claro, de Chuck Berry e Little Richards, baladas lindas de Buddy Holly e Fats Domino, standards do jazz e uma florescente soul music que despontava com Isley Brothers e The Ronnetes. Os Beatles pegaram isso tudo, engoliram, digeriram e criaram um tempero muito próprio para uma nova música pop. Não só criaram, como desenvolveram! Chegaram a um ápice criativo altamente condimentado com o Sgt. Pepper’s… e alcançaram o equilíbrio e maturidade em seu último e genial suspiro fonográfico: Abbey Road.

Olha, essa coleção está incrível  e é altamente recomendável que você dê uma boa conferida. Aliás, é preciso estar atento e forte na nossa loja sempre! Afinal, estamos em constante transmutação, com novas ideias, estampas, coleções, diversão & arte.

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist com o creme de la creme dos 4 discos que estampam essa nova coleção. Top 10 tracks Minimal Classic Albums.

Para ler: Chega a ser indispensável a leitura de Duas Viagens ao Brasil, o livro de Hans Staden escrito em 1557. Uma história épica, inacreditável e empolgante, que retrata a história deste alemão aventureiro e, em paralelo, do Brasil recém descoberto.

Brasil em foco.

Brasil em foco.

Quando você quer conhecer ou se aprofundar em alguma atividade, seja tocar um instrumento, desenhar, fotografar, praticar um esporte… a tendência é procurar os nomes mais importantes e influentes do ramo pra se inspirar e usar como referência, né? Usando o célebre pensamento de John Lennon, de pensar globalmente e agir localmente, é normal que a gente pense nos maiores nomes do mundo. O próprio Lennon, ou, sei lá, Jimi Hendrix na música, Michelangelo ou Van Gogh nas artes e por aí vai. Acontece que em todas as áreas artísticas temos grandes exemplos aqui mesmo, no Brasil. Em especial na fotografia, alguns são reconhecidos no mundo todo como grandes mestres. É o caso de Sebastião Salgado, German Lorca, Bob Wlfenson, entre outros.

A fotografia é uma parada muito interessante porque parte de uma técnica básica bem específica e científica, exposição à luz e controle de lentes para foco e profundidade. Entretanto, é uma expressão artística que permite que cada artista imprima sua marca, sua personalidade. Mais impressionante é notar que isso também ocorre no show business. Fotógrafos especializados em retratar artistas, concertos e moda  também se destacam,ainda que pareça (ou que efetivamente) façam fotos comerciais, dá pra notar a personalidade, sensibilidade e força individual no trabalho de cada um. Por isso hoje, vamos elencar aqui os 5 profissionais da fotografia mais emblemáticos e conhecidos que atuaram, e ainda atuam, no cenário pop brasileiro.

Rui Mendes

Talvez o mais conhecido fotógrafo da cena musical no país, Rui Mendes se formou em fotografia na Fort Vancouver Junior College, nos Estados Unidos, no final dos anos 1970. Voltou ao Brasil em seguida e começou a trabalhar na Folha de S. Paulo. Amante da música, se ligou rapidamente aos músicos de São Paulo e passou a fotografá-los. À medida que ia conhecendo mais gente, aumentava seu leque de artistas em seu portfólio e começou a fotografar inclusive para capas de discos. RPM, Lulu Santos, Camisa de Vênus, Legião Urbana, Barão Vermelho, Ira!, Titãs, Capital Inicial, Kiko Zambianchi, Inocentes, Ultraje a Rigor, Ratos de Porão, Sepultura, Skank são só alguns dos artistas que já olharam para a lente de Rui Mendes. Além disso seu trampo como fotojornalista também impressiona, em revistas como Vogue, Trip, Época, TPM, Galileu, entre outras.

Seu Jorge por Rui Mendes

Caroline Bittencourt

Morando e atuando hoje em Copenhagen, Dinamarca, Caroline é uma fotógrafa jovem, brasileira, que se destacou fotografando shows entre Rio e São Paulo nos anos 2000. Seguindo a regra, ela sempre nutriu muito amor e interesse pela música brasileira, o que facilitou para que ela pudesse circular com desenvoltura no cenário musical. Ela já retratou algumas capas de discos, mas sua fotografia impressiona mesma quando retrata shows. Ela tem uma sinergia com o artista em ação no palco, e soma-se a isso seu apreço pela técnica e o uso de equipamento essencialmente analógico. Estão em seu portfólio nomes como Adriana Calcanhoto, Orquestra Imperial, Cidadão Instigado, Criolo e Los Hermanos.

Adiana Calcanhoto por Caroline Bittencourt

Marcos Hermes

Carioca, Marcos Hermes começou a fotografar ainda jovem no começo dos anos 1990. Logo se destacou com seus trabalhos para revistas como a Bizz, Claudia, Veja e Quatro Rodas. Se especializou em fotografar concertos e shows, e conseguiu ir muito longe com as suas fotos. Além de já ter fotografado nomes consagrados do Brasil como Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Elza Soares, Marcos Hermes também já trabalhou com o supra sumo da música pop, fotografando oficialmente Rolling Stones, Paul McCartney, Elton John, Beyoncé, Amy Winehouse, Steve Wonder, entre outros.

Caetano Veloso por Marcos Hermes

Daryan Dornelles

Um gênio da fotografia brasileira, Dornelles é um dos fotógrafos com mais personalidade  dos últimos tempos. Seja para capas de discos, fotos de divulgação ou registrando shows, ele consegue uma sintonia fina entre a obra do fotografado e a imagem que será reproduzida, resultado de muita intimidade com a música. Dornelles já declarou que quando vai fotografar determinado artista, ouve sua obra exaustivamente para alcançar essa conexão. São dele algumas das imagens mais marcantes de artistas como Chico Buarque, Martinho da Vila, Criolo, Marisa Monte e Tiê.

Emicida por Daryan Dornelles

J.R. Duran

José Ruaix Duran nasceu em Barcelona, na Espanha, mas foi no Brasil que ele se consagrou um dos mais requisitados fotógrafos do mundo, e onde morou por um longo período entre sua carreira de mais de 50 anos. Então dá pra dizer que ele é brasileiro sem medo de errar. Ele talvez seja o fotógrafo do show business mais conhecido do país. Com seu estilo forte, nítido, charmoso e elegante, J.R. Duran fotografou algumas das capas mais importantes da revista Playboy do Brasil, além de consagrado na moda e publicidade. Pra se ter ideia, ele já ganhou dez Prêmios Abril de Fotojornalismo, passando a ser horsconcours desse prêmio.

MC Guimê por J.R. Duran

A fotografia junta tanta coisa boa de forma artística, representando a música e a moda com beleza e intensidade, que tem tudo a ver com a Strip Me. Também somos apaixonados por fotografia, por isso acabamos de lançar uma coleção especial com este tema! Vem conferir!

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlists com alguns dos artistas que foram retratados pelos fotógrafos citados neste post. Top 10 tracks Foto BR!

Orgulho, diversão & arte.

Orgulho, diversão & arte.

Hoje fechamos a trilogia de posts dedicados ao mês do orgulho LGBTI+. Já demos uma geral na história, já falamos sobre os direitos na teoria e na prática, tudo direitinho. Mas convenhamos que a gente não é de ferro e também precisa relaxar e curtir a vida, não é mesmo? Por isso, vamos fechar essa trilogia com o astral lá em cima falando do que a gente mais gosta: arte! Afinal, a arte está recheada de grandes obras e grandes personalidades que representam muito bem os homossexuais de todo o mundo. Vamos falar sobre alguns deles.

É muito legal notar que existem filmes, peças de teatro, canções e pinturas que retratam ou são inspiradas em temáticas gays, mas que são concebidas por artistas héteros. Da mesma maneira, tem muito artista homossexual que não necessariamente explora este tema em suas obras. Um grande exemplo disso é o gênio da Pop Art, Andy Warhol. Notoriamente homossexual, afeito a festas e bares que celebravam a diversidade, por onde transitavam artistas de vanguarda, transexuais e todo o tipo de pessoas que não se encaixavam nos padrões “normais” da sociedade dos anos 1960 e 1970, Warhol conseguiu ser visto e celebrado em todo o mundo como um artista genial, sem precisar esconder seu estilo de vida. Produziu obras de arte incomparáveis sem esbarrar em nenhum momento na militância. Ter o orgulho de não esconder sua vida pessoal, por mais excêntrica que fosse, mostrando que isso não interferia negativamente na sua competência como profissional já foi militância suficiente.

Na música não são poucos os exemplos de artistas gays que tem uma obra invejável sem colocar em evidência sua sexualidade. Rob Halford é um dos vocalistas de heavy metal mais influentes do estilo e fez história frente à banda Judas Priest. Ele se assumiu homossexual em 1998 numa entrevista para a MTV e chocou muita gente. O rock, e em especial o metal, é um meio muito machista e homofóbico. O fato de Halford ter se assumido publicamente ajudou muito a abrir o diálogo e quebrar esses preconceitos. Aqui no Brasil um dos músicos mais influentes da música pop também se assumiu tardiamente, porém sem causar tanta surpresa quanto o vocalista do Judas Priest. Lulu Santos é um dos músicos mais respeitados do rock e pop desde os anos 1980. Exímio guitarrista e compositor de muito bom gosto, Lulu Santos sempre foi discreto com sua via pessoal, e na música nunca foi panfletário, apesar de falar frequentemente sobre amor livre e diversidade. Ele assumiu ser gay somente em 2018 e todo mundo ficou feliz por ele, porém, surpreso mesmo, ninguém ficou.  Mas tudo bem.

Deixando um pouco de lado os artistas e falando sobre obras de arte, não há mídia melhor para representar um grupo de pessoas tão plurais, cheias de vida, de amor, de cores e de histórias fantásticas como o cinema. É onde as imagens, a música e a história se juntam para proporcionar uma experiência de vida capaz de nos encantar, inspirar, divertir e fazer pensar. Então fizemos um top 5 filmes sensacionais que representam muito bem a comunidade gay e, cada um à sua maneira, proporciona reflexões importantíssimas.

5 – Meninos Não Choram

É um filme pesado, é verdade. Mas é uma história incrível e muito bem retratada no filme. História real, aliás. Brandon era um rapaz que nasceu mulher, mas desde criança se identificava como homem e tentou se impor como tal. É uma história trágica sobre aceitação e preconceito. Um filme de roer as unhas, emocionante, e com atuações inacreditáveis. Tanto que Hilary Swank ganhou Oscar de melhor atriz em 2000 pela sua atuação como protagonista. Boys Don’t Cry foi lançado em 1999, escrito e dirigido por Kimberly Peirce e tem uma baita trilha sonora boa!

4 – Madame Satã

O representante brasileiro nesta lista é um ótimo filme, também baseado em uma história real e com atuações excelentes. Madame Satã era o “nome de guerra” de João Francisco dos Santos. Ele foi um dos primeiros transformistas do  Brasil e virou ícone da liberdade sexual no país, com uma trajetória surpreendente no Rio de Janeiro dos anos 1930. O filme foi lançado em 2002, dirigido por Karim Aïnouz e protagonizado com brilhantismo por Lázaro Ramos.

3 – Filadélfia

Um clássico, né? Este filme está aqui porque representa muito bem o preconceito que os gays sofriam nos anos 1980 e 1990, agravado pelo surgimento da AIDS. Mas além de retratar super bem este momento, é um filmaço em todos os aspectos. Uma trilha sonora arrebatadora com Bruce Springsteen, Neil Young, Sade, Maria Callas, Peter  Gabriel, atuações impressionantes de Tom Hanks e Denzel Washington e direção irretocável do gênio Jonathan Demme. O filme foi lançado em 1993 e ganhou dois Oscars no ano seguinte: Melhor Ator e Melhor Canção Original.

2 – Tudo Sobre Minha Mãe

Que o Almodóvar é um gênio, não há dúvida, né? Porém, na hora de escolher qual o seu melhor filme, aí dúvida é o que não falta, tantos são os filmes excelentes dele. Mas com certeza um que sempre vai estar entre seus 3 melhores trabalhos é este. Uma história comovente e arrebatadora, colocada impecavelmente num roteiro que consegue ser dramático e bem humorado, bem amarrado e instigante. A trama se desenrola quando uma mãe solteira tem seu filho envolvido em um acidente e vai à procura do pai da criança, que virou travesti. Uma história insólita e cheia de surpresas que acaba por tratar diversos temas espinhosos com muita propriedade. O filme escrito e dirigido por Almodóvar foi lançado em 1999 e levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

1 – Priscilla – A Rainha do Deserto

É uma escolha óbvia? Um baita clichê? É sim! Mas nenhum filme na história conseguiu com tanta perfeição representar o espirito gay com tanto brilhantismo. Está tudo lá. A alegria, o glamour, a paixão pela arte, os preconceitos, é claro, e todas as dificuldades e delícias de se assumir como é e viver assim. Priscilla – A Rainha do Deserto é um road movie delicioso, engraçado e empolgante, desses filmes que a gente já viu um monte de vezes, mas sempre acaba vendo de novo. O filme foi lançado em 1994, escrito e dirigido por Stephan Elliott e se tornou, logo de cara, um clássico absoluto. Ah, sim, e também tem uma trilha sonora daquelas!

E assim finalizamos nossa trilogia de posts especiais no mês do orgulho LGBTI+. Posts que, além de homenagear e celebrar a diversidade, reforçam o posicionamento da Strip Me como uma marca que abraça a diversidade e faz coro com todas as vozes que clamam por liberdade e igualdade. Afinal tudo que é escrito aqui representa os princípios e valores da marca. Orgulho, diversão e arte em junho, no ano todo e por toda a vida!

Vai fundo!

Para ouvir: A playlist hoje dá uma geral nas trilhas sonoras dos cinco filmes indicados neste post! Confere lá! Top 10 tracks LGBTI+ Soundtracks!

40 Anos Sem o Rei do Reggae.

40 Anos Sem o Rei do Reggae.

O começo da história até que é comum aqui no Brasil. Um garoto negro, nascido na favela em meio a muita pobreza e apaixonado por futebol consegue vencer na vida e ser mundialmente reconhecido. Acontece que a história que vamos contar hoje não se passa no Brasil e, apesar de realmente apaixonado por futebol, esse garoto negro venceu na vida através da música e de um estilo de vida que, até então, o mundo desconhecia. Hoje vamos relembrar a história de um dos maiores ícones da cultura pop dos século XX: Bob Marley, que no dia 11 de maio deste ano completou 40 anos de sua morte.

Photo by Dennis Morris

A história do Bob Marley é muito interessante, cheia de passagens curiosas. Pra começar, ele cresceu em Trenchtown, a maior favela de Kingston, capital da Jamaica. Lá, com apenas 5 anos de idade o pequeno Marley levantava uma grana lendo a mão das pessoas na rua. Claro que devia ser uma baita enrolação, mas já demonstrava que era um garoto com muito carisma para lidar com as pessoas. Um tempo depois, a mãe de Bob, que já não estava mais com o pai dele, passou a viver com um homem que tinha um filho chamado Neville Livingston, que tinha a mesma idade e de cara ficou amigão do Bob. Os dois moleques não se largaram mais e passaram a dividir uma grande paixão: ouvir rádio e cantar suas músicas favoritas. Já na juventude, Neville adotaria o apelido pelo qual ficou conhecido mundo afora: Bunny Wailer.

Paint on canvas by Mick Rock – 2008

Adolescentes, Bob e Bunny viviam procurando diversão e conheceram um grupo vocal ali mesmo, em Trenchtown, e passaram a andar com aquela rapaziada. E acabaram se tornando muito amigos de um desses rapazes, um certo Peter Tosh. Pirando no dubstep, rocksteady e ritmos caribenhos como o calipso, que dominavam a Jamaica nos anos 1960, o trio montou a banda The Wailing Wailers, conseguiram gravar dois ou três compactos que tiveram uma aceitação local muito boa. Tanto é que os caras resolveram arriscar trocar de ilha, saindo da Jamaica e indo para a Inglaterra. Ali, ironicamente, iriam acabar entrando na gravadora Island Records. Mas não foi moleza.

Bunny Wailer, Bob Marley e Peter Tosh nos tempos de Wailing Wailers, 1964
(Photo by Michael Ochs)

Na Inglaterra, eles fizeram uma tour morna, que não rendeu muita grana. Na real, mal se pagou. Tanto é que a banda se viu ali sem sequer ter grana pra voltar para a Jamaica. Foi quando conheceram um produtor tido como malandro na cena musical londrina chamado Chris Blackwell. Blackwell era dono da Island Records e tinha revelado o primeiro grande nome do reggae, Jimmy Cliff. Acontece que Cliff tinha acabado de sair da Island para assinar com uma grande gravadora. Blackwell viu naqueles jamaicanos, principalmente no carismático Bob Marley, seu novo Jimmy Cliff. Ele ofereceu o seguinte acordo para os rapazes. Ele pagava a passagem de volta deles para a Jamaica. Mas em troca, antes de partir, eles gravariam um disco, que Blackwell lançaria pela Island. Foi assim que surgiu um dos maiores clássicos do reggae, o disco Catch a Fire.

Importante dizer que na época dos Wailing Wailers na Jamaica, a banda interpretava canções de amor sem muito conteúdo. Mas, pouco antes da viagem para a Inglaterra, ainda com uns 18, 19 anos de idade, Bob Marley se converteu ao Rastafari. Uma seita religiosa criada na própria Jamaica, com base nas raízes dos negros etíopes, e que tinham a maconha como erva sagrada. Após sua conversão, Bob Marley passou a escrever canções que professavam sua fé, cantando sobre os principais valores do Rastafari, a igualdade, pureza, e amor. Bob Marley, Bunny Wailer e Peter Tosh realmente abraçaram a causa rasta, inclusive se tornando veganos, não consumindo álcool e nem tabaco, bem como drogas sintéticas.  Desta forma, o disco Catch a Fire já veio envolto numa densa névoa de maconha, literalmente, e de canções incríveis! Nessa época, a banda já se apresentava com o nome mais enxuto: The Wailers. Eles cumpriram sua parte no acordo com Blackwell, gravaram o disco e voltaram pra casa. Na Inglaterra, Blackwell se ligou que tinha uma pérola nas mãos e lançou o disco com uma alteração muito marcante, sem consultar a banda. O disco saiu em 1973 sob o nome Bob Marley and The Wailers. E, tal qual a fumaça do cigarrinho de artista da banda, a canção Stir It Up foi pras cabeças e alavancou a venda do disco. Bob Marley and The Wailers começavam a ganhar fama internacional.

Photo by Dennis Morris

Impulsionados pelas boas vendas na Inglaterra, a banda foi tentar a sorte nos Estados Unidos. Lá caíram nas graças da turma da música negra que dominava o começo dos anos 1970 e acabaram sendo contratados como banda de abertura dos shows da Sly and the Family Stone. Acontece que a turnê não durou mais que dez shows. De cara, o show de Bob Marley and The Wailers passou a ofuscar a atração principal. Muita gente pirava no show de abertura e acabava não dando muita bola para a Sly and the Family Stone. Resultado, tour cancelada para os jamaicanos. Mas tudo bem. Eles fizeram alguns shows por conta própria e começaram a fazer seu nome em solo ianque. Enquanto isso, a banda já começava a se estranhar. Esse negócio de Bob Marley and The Wailers pegou mau pro Bunny Wailer e pro Peter Tosh. Ego inflado + grana entrando. Já viu, né? De qualquer forma, a banda continuou produzindo. Ainda no final de 1973 a banda lança o segundo disco, Burnin’. O disco que fez realmente tudo mudar. Este disco caiu nas mãos de Eric Clapton, que chapou no som e acabou regravando I Shot the Sheriff. Foi quando o nome de Bob Marley se tornou conhecido mundialmente.

Daí em diante, foi só ladeira (e fumaça) acima. Claro que o trio fundamental, Marley, Wailer e Tosh, se dissolveu em meio a muita treta. Bob Marley, malandramente, acabou mantendo o nome Bob Marley and The Wailers em seus discos, mesmo sem Bunny Wailer e Peter Tosh. Entre 1973 e 1981 foram 11 discos lançados, todos com sucesso estrondoso no mundo todo. Bob Marley se tornou um proeminente ativista pelos direitos humanos e pela paz, tendo sido inclusive baleado num atentado na Jamaica. Mas não foi isso que o matou, mas sim sua teimosia. Em 1977 ele machucou o pé jogando futebol. Ficou com uma ferida feia no dedão do pé. Ferida essa que ele não cuidou. Talvez ele tenha esquecido… Enfim.  Só em 1980 que foi atrás de saber porque aquele machucado no dedo não sarava nunca. Acabou sendo diagnosticado com um raro melanoma. A solução era amputar o dedo. Mas Bob não topou. Temia que isso prejudicasse sua performance no palco, onde ficava em pé e dançava por horas. Além do mais, a crença rasta valorizava muito o corpo, e uma amputação ia contra esses conceitos.. No fim, o tal melanoma evoluiu para um câncer que se espalhou pelo corpo de Marley e acabou o matando em 11 de maio de 1981.

Photo by Dennis Morris

Vamos finalizando, porque esse texto já está enorme. Uma pena, porque a vida do Bob Marley é cheia de histórias incríveis e interessantes. Desde o atentado que ele sofreu na Jamaica por querer fazer um show gratuito para apaziguar os ânimos políticos do país, até sua breve passagem pelo Brasil onde teve seu visto de trabalho negado pelos militares e jogou uma pelada com Chico Buarque, Alceu Valença e Moraes Moreira. Sem falar que ele espalhou pelo mundo o reggae como forma de música de protesto, que foi incorporada pelos punks ingleses, em especial o The Clash. Mas quem sabe essas histórias não pintam por aqui numa outra oportunidade, né? Afinal, o Bob Marley tem tudo a ver com tudo que a Strip Me mais acredita e ama: Engajamento, personalidade, diversão e arte!

Vai fundo!

Para ouvir: Claro, uma playlist delícia com o que há de melhor na obra do Bob Marley, mas dando aquela desviada das obviedades. Top 10 tracks do Rei do Reggae.

Para assistir: Eu sei que não tem tanto a ver com o Bob Marley em si, mas eu acho que é um filme tão divertido e que traz tanto dessa aura jamaicana, além de ser um filme muito subestimado. Estou falando de Jamaica Abaixo de Zero, filme lançado em 1993 sobre a improvável equipe de trenó que disputou as Olimpíadas de Inverno do Canadá de 1988.

Para ler: O ótimo livro No Woman No Cry – Minha vida com Bob Marley, escrito pela esposa de Bob, Rita Marley e lançado no Brasil em 2019 pela editora Belas Letras. Uma narrativa detalhada e fluente sobre a trajetória de Bob Marley, tanto pessoal como profissionalmente.

PERFIL COLLAB STM: A ARTE LIVRE DE GUILHERME HAGLER

PERFIL COLLAB STM: A ARTE LIVRE DE GUILHERME HAGLER

Ser livre! Como é bom ser livre! Quando se trata de arte então, não tem nada melhor! Ser livre para criar, para explorar os mais diversos temas. Da racionalidade ao ocultismo, da crítica social ao amor idealizado! Ser livre para fazer arte seja como for. Na dança, na fotografia ou desenhando! Carregado de muito talento e muitas referências legais de cultura pop, o trampo do Guilherme Hagler transmite essa liberdade, um conjunto que tem tudo a ver com a Strip Me.

O Guilherme Hagler é mineiro nascido em Juiz de Fora e criado em Belo Horizonte. Ele cresceu dentro de uma família de mulheres talentosas, artistas que não tiravam seu sustento da arte, mas estavam sempre pintando, bordando, fotografando, fazendo música… Era um incentivo natural para que, ainda garoto, ele tivesse sua criatividade aguçada e se expressasse artisticamente. Do hábito de ler histórias e curtir desenhos, Hagler começou a desenhar e se envolver cada vez mais com arte.

Como todo bom artista livre, Guilherme Hagler não se limitou a só uma forma de expressão. Já se aventurou na fotografia e na dança, mas foi nas artes plásticas que ele encontrou seu caminho. E se dedicou muito. Inspirado por artistas impressionistas e surrealistas, em especial Paul Ranson e suas temáticas obscuras, começou a fazer reproduções de suas obras favoritas, além de muitas naturezas mortas, que são ótimas para reforçar conceitos de proporção e luz e sombra. Com o tempo, adicionou às suas referências o cinema e a música, através dos sentimentos transmitidos nas melodias e nas imagens dos videoclipes, para formatar seu trabalho autoral.

O trampo autoral do Hagler impressiona porque é muito original, mesmo sendo super iconoclasta, usando figuras conhecidos, referências da cultura pop, em especial o cinema e obras de arte famosas. Os desenhos dele demonstram muita técnica e muita sensibilidade. Por causa disso tudo, não tinha como o Guilherme Hagler não fazer parte do seleto rol de collabs da Strip Me. Um artista que tem tudo a ver com a marca! Pra finalizar, você confere o nosso bate bola com o próprio Guilherme. Se liga aí no que ele tem a dizer.

Strip Me Analógico ou digital? Você desenha direto no computador/tablet ou curte a tinta no papel?

Guilerme Hagler Eu nunca usei uma mesa digitalizadora na minha vida. Tenho vontade e receio de achar estranho hahaha. Gosto de desenhar direto no papel, com lápis e caneta. Quando o desenho fica pronto, eu fotografo ele em um ambiente bem iluminado, evitando ao máximo as distorções da câmera, pra depois transferir as “linhas” para o computador, onde eu adiciono as cores, sombras, refino as linhas, assino.

STM Além de desenhar e passar nervoso, o que tem feito em casa, durante a pandemia?

GH Muita música (sempre caçando coisas novas) e muitas horas de sono. Também descobri que podcasts me ajudam a me sentir menos sozinho nessa pandemia. Como estou trabalhando em casa, uso meu tempo livre para espairecer ou descansar (quando não estou desenhando ou fazendo tudo ao mesmo tempo)

STM Não precisa nem dizer que sua arte sempre passa uma mensagem, de todo o tipo, aliás. Tem alguma coisa que você queria dizer para as pessoas e ainda não conseguiu traduzir em um desenho?

GH Definitivamente ainda tenho muito a dizer. Mas uma das coisas que eu mais gosto na arte, são as possibilidades de interpretação. Por isso, deixo minha arte aberta a isso. Ela é o que você quiser que ela seja. Acho que se eu virar pra você e dizer exatamente o que eu estou querendo passar com uma imagem que eu fiz, posso acabar limitando a sua visão sobre ela. Já escutei interpretações de pessoas que atingiram níveis de profundidade que nem eu mesmo havia imaginado, acho essa troca muito rica.

A Barbie de cabeça pra baixo no copo d’água, por exemplo, foi uma homenagem à uma irmã que nunca foi muito fã do universo feminino. Quanto era bem pequena, ela literalmente arrancava os cabelos das Barbies que ganhava e mergulhava elas na água, rejeição total. E eu tenho certeza que muitas meninas também se sentem assim. Ser mulher não é necessariamente ser feminina. Nascer mulher não é necessariamente ser mulher. Gosto de sátiras que utilizam elementos da cultura pop.

STM Quem ou o quê te inspira e te faz desenhar? E quem ou o quê te desanima a pegar na caneta?

GH Minha vontade de desenhar é espontânea, ela não vem em momentos pontuais… Me sinto inspirado a desenhar quando tenho alguma ideia que julgo interessante, ou quando me sinto inspirado por algo que vi, uma imagem, um vídeo, um poema. Minha primeira série de desenhos foi baseada no conto “Cinco Mulheres”, do Machado de Assis. Quando começo um desenho, fico na ansiedade de terminar logo, então, mesmo que eu esteja me sentindo cansado, eu não paro. Dificilmente vou começar um desenho se tiver tido um dia muito estressante, por exemplo, mentalmente ou fisicamente. A não ser que eu tenha um prazo.

STM Os heróis do Cazuza morreram de overdose. E os seus heróis, na vida e na arte, ainda estão por aí? Quem são eles?

GH Apesar de não ser muito fã do conceito de “herói” ou “ídolo”, admiro sim artistas que morreram de overdose, Amy Winehouse é a primeira que vem na minha mente. Ainda fico triste quando escuto as músicas dela. Mas também tenho “heróis” que morreram por outras causas hahahaha… Gauguin, Dalí, Magritte, Frida, Lygia Clark, Edith Head, Elsa Schiaparelli, Chadwick Boseman… A lista é longa! E se ainda for pensar nos que estão vivos… Marina Abramovic, Rosana Paulino, Laura Callaghan, Oh de Laval, Hajime Sorayama… Caramba! Vai ser até injusto tentar montar uma lista, não quero deixar ninguém de fora. Tem MUITA gente foda e inspiradora por aí (vivos ou não).

STM Diversão e arte além dos teus desenhos, o que você curte?

GH Gosto de tudo que mantem minha mente trabalhando, que me instiga intelectualmente. Procuro informação a todo momento. A internet tem muita coisa interessante, se você souber onde procurar… Adoro assistir debates, escutar podcasts, jogar online com amigos. (Isso quando não estou escutando música ou assistindo algum filme) Tenho procurado livros para ler também, faz tempo que não leio algo que não seja acadêmico.

STM Qual a sensação de saber que seus desenhos enchem o peito de muita gente Brasil afora através da Strip Me?

GH A sensação é de validação e de muita alegria, especialmente em um momento tão complicado quanto o que estamos vivendo. Fiquei super feliz quando fui convidado pra essa parceria e acho incrível quando marcas colaboram com artistas, especialmente os pequenos, é um diferencial. Se dedicar à arte pode ser um projeto de vida bem arriscado, ainda mais no Brasil. Mas quando o reconhecimento vem, qualquer que seja, é extremamente gratificante e motivante. Hoje estou me especializando em Moda e nunca havia imaginado pessoas andando com as minhas estampas por aí, é incrível! Sou muito grato e tenho grande admiração pela Strip Me, que já faz parte da minha história.

Siga o Gilherme Hagler no Instagram: @guilhermehagler

Vai fundo!

Para ouvir: Como sempre acontece nos textos dedicados aos collabs da Strip Me, a playlist fica por conta do próprio artista. Então confere lá as top 10 tracks favoritas do Hagler!

Arte & Treta na Renascença.

Arte & Treta na Renascença.

Você já parou pra pensar o que seria do mundo sem a treta? Claro, seria um lugar onde reinaria a paz e harmonia entre todos os seres humanos e tal. Mas será que teríamos chegado tão longe? Obras de arte magníficas ainda teriam sido produzidas, pesquisas e descobertas científicas teriam sido realizadas se não existisse aquele sentimento, aquele pensamento interior dizendo “Quem aquele f*#% d# p@%*# pensa que é? Ele acha que é melhor que eu? Pois vai ele ver só!”. Desde que o mundo é mundo e o homem vive em sociedade, rivalidades, desafetos e intrigas fazem parte da nossa história. E não é difícil supor que essas rivalidades contribuíram para que alguns gênios buscassem a perfeição. Os exemplos são muitos: Mozart e Salieri, Shakespeare e Marlowe, Darwin e Owen, Tesla e Edison, João Gordo e Dolabella… mas hoje vamos falar da grande treta da Renascença: Leonardo Da Vinci vs. Michelangelo!

Bom, Leonardo Da Vinci e Michelangelo Buonarroti dispensam apresentação, né? Dois dos maiores artistas de todos os tempos. Ambos pintores e escultores que viveram a virada do século XV para o XVI e conceberam obras admiradas até hoje. Apesar da diferença de idade entre eles, Da Vinci era 23 anos mais velho que Michelangelo, a rivalidade entre os dois era inevitável. Quando Michelangelo chegou à idade adulta e começou a se destacar, Da Vinci já era um artista consagrado. Mesmo assim, Michelangelo se recusava a aceitar que Da Vinci era esse gênio todo que se dizia, já que ele considerava a si próprio sim como o grande artista de seu tempo. Ainda que pensasse desta forma, Michelangelo não deixou de absorver minuciosamente as técnicas de pintura desenvolvidas por Da Vinci, de claro e escuro, luz e sombra e esfumaçado, bem como os estudos da anatomia humana a que Da Vinci tanto se dedicou.

O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci

Eram realmente artistas antagônicos. Da Vinci ficou famoso pela procrastinação. O acervo de rascunhos e obras inacabadas dele é vasto, já suas pinturas que foram totalmente concluídas, são apenas 16, muito pouco para um artista que viveu até os 67 anos de idade. Já Michelangelo era o que se pode chamar de workaholic. Vivia em seu ateliê mais de 12 horas por dia trabalhando incansavelmente em suas obras. Da Vinci era conhecido por ser um homem sociável, de personalidade amistosa e calma, sempre bem vestido e arrumado. Já Michelangelo era comparável a um pinscher, era baixinho, arrogante e muito briguento. Ambos viviam na mesma cidade, Florença, um dos principais polos da arte renascentista. E foi justamente o governo da cidade que começou a treta entre os dois.

Palazzo della Signoria, Florença

Em 1504 o governo convidou Da Vinci e Michelangelo para pintarem, cada um em uma parede do Palazzo della Signoria, então sede do governo florentino e hoje conhecido como Palazzo Vecchio, um afresco retratando alguma batalha em que o povo de Florença tivesse lutado e saído vitorioso, claro. Os dois artistas já não iam muito com a cara um do outro, mas o dinheiro oferecido era bom demais pra se recusar. Então lá foram eles. Nos meses que se seguiram um alfinetava o outro constantemente, e as obras mesmo, nada de sair. Ficou famoso o comentário de Da Vinci vendo os esboços de Michelangelo, que sempre gostou de retratar os homens extremamente fortes e com músculos bem definidos. Da Vinci teria dito que não entendia por que Michelangelo insistia em retratar os homens como se fossem uma noz aberta.

Corpo masculino nu (estudo para o teto da capela Sistina) – Michelangelo, 1511

Mas o ápice da treta entre os dois aconteceu na rua. Antes de contar o que rolou, vale dizer que Da Vinci era um pintor irrepreensível, mas não era tão genial esculpindo. As esculturas de Da Vinci são poucas, e são bem acima da média, mas não são incríveis. E isso o frustrava muito. Uma dessas esculturas era o Cavalo de Sforza. E não preciso dizer que Michelangelo era um escultor brilhante, tá aí o Davi até hoje, que não me deixa mentir. Bom, Da Vinci estava na praça principal de Florença conversando com uma turma. E eles falavam sobre a obra de Dante Alighieri, o grande escritor. Coincidentemente Michelangelo passava por ali, e Michelangelo era admirador e grande conhecedor da obra de Dante. Da Vinci, sabendo disso, aparentemente sem más intenções, chamou Michelangelo para a conversa com uma frase do tipo: “Ô Michelangelo, chega aqui, estamos falando do Dante e tô sabendo que você manja do assunto.”. Como bom pinscher, Michelangelo ouviu o convite de Da Vinci como um desaforo cheio de ironia e sarcasmo e, raivoso, descarregou um caminhão de insultos a Da Vinci. Um dos insultos teria sido algo como: “Quem é você pra falar comigo, nem esculpir um cavalo você consegue, fez aquela aberração do Sforza!”. Da Vinci ficou ofendidíssimo e foi embora deprimido, se sentindo um artista medíocre.

Depois disso, ambos abandonaram o trampo no Palazzo della Signoria e foram embora de Florença. Da Vinci se mudou para Milão e Michelangelo foi pra Roma a convite do Papa, para fazer um job na Capela Sistina. É claro que não foi só a discussão na praça que motivou a mudança dos dois. Com certeza, eles foram atrás de melhores ofertas de trabalho. Mas com certeza a inimizade contribuiu para que abandonassem o trabalho no palácio e adiantassem sua saída de Florença, claro, os dois levando o pagamento do trabalho que ficou lá inacabado.

A Criação de Adão – Michelangelo

No fim das contas, histórias como essas são, de certa forma, um alívio para nós. Da Vinci foi o artista mais completo e brilhante de todos os tempos, além de pinturas icônicas como Mona Lisa e Dama com Arminho, era cientista, arquiteto e acadêmico. Michelangelo era um artista pungente e conseguia transformar blocos de mármore em figuras fascinantes, como é Davi e a Pietá, além de seu afresco incomparável na Capela Sistina. Foram verdadeiros gênios. Ainda bem que ficaram também registros como este contado aqui, do lado humano desses caras, que nos coloca em pé de igualdade com eles. Somos todos reles mortais sempre atrás de diversão e arte, e, de vez em quando, de uma boa treta.

Vai fundo!

Para ouvir: Uma seleção de canções para embalar aquela treta no meio da festa! Top 10 tracks da treta!

Para assistir: Uma das tretas mais célebres da história é a de Mozart e Salieri. Uma história incrivelmente bem retratada na excelente cinebiografia de Mozart, Amadeus, filme de Milos Forman lançado em 1984.

Alfred Hitchcock e a invenção do suspense.

Alfred Hitchcock e a invenção do suspense.

A definição mais sintética e objetiva da arte pode ser a seguinte:
talento + técnica = arte de qualidade.
Claro que a arte é uma parada muito intangível e que tem significados e representações distintas, que variam de pessoa para pessoa. Mas, de maneira geral, a equação acima é válida. A fotografia é a manifestação artística que melhor exemplifica isso. Se o fotógrafo conhece todas as técnicas de medição de luz, proporções de abertura de diafragma e obturador, foco e etc, mas não tem um olhar apurado e a sensibilidade para captar a cena desejada, ele vai obter um bom resultado, mas não será uma grande obra de arte. Já se o fotógrafo tem a sensibilidade  e o olhar apurado suficiente para captar um momento incrível, mas não tem as técnicas de manuseio da câmera, o resultado também pode até ser bom, mas não será uma obra de arte. Agora, se o fotógrafo consegue juntar tudo, aí sim terá uma foto incrível, que será admirada como verdadeira obra de arte.

Crédito da imagem: Silverscreen Archives

Mas tem alguma coisa a mais. Tem um elemento misterioso, um brilho, uma parada natural em poucas pessoas, que, somada a técnica e ao talento, consegue conceber obras primas, incomparáveis e eternas. Já que falamos de fotografia, vamos dar um pulinho e ir pro cinema, para falar de um dos grandes mestres desta que é conhecida como a sétima arte. Alfred Hitchcock foi um dos mais produtivos e geniais cineastas da história. Concebeu mais de 50 filmes, inventou um dos gêneros  mais populares e foi responsável por uma verdadeira revolução no cinema.

Crédito da imagem: Rex Features Archives

“Todos temos dentro de si um lugar escuro, cheio de violência e horror. Eu sou apenas o cara no canto com uma câmera, assistindo.” Com essa frase, Hitchcock conseguiu resumir sua obra. O suspense e o terror psicológico são invenções dele. Numa época em que o cinema era extremamente conservador, Hitchcock apresentava tramas sombrias, repletas de traições, cobiça e mistério. Seus personagens não eram claramente bons ou ruins, apesar de serem sempre carismáticos. Desta forma, tornaram-se clássicos filmes como Festim Diabólico (1948), Disque M Para Matar (1954), Janela Indiscreta (1954), O Homem que Sabia Demais (1956), Um Corpo que Cai (1958), Os Pássaros (1963) e sua obra máxima, Psicose (1960). Com estes filmes, Hitchcock apresentou ao mundo uma nova maneira de fazer cinema, tanto na estética, como na forma de contar as histórias e até na atuação dos atores.

Quando lançou Psicose, Hitchcock já era um diretor consagrado em Hollywood, Mas foi com este filme que ele quebrou todas as barreiras. Tanto é que produtora nenhuma encarou financiar o filme, com medo de lança-lo e ter prejuízo, acreditando que o público não aceitaria tanta violência e sadismo, isso se o filme chegasse ao público, porque corria o risco de ele esbarrar na censura. Por fim, o diretor bancou o filme do seu próprio bolso, fazendo dele uma produção independente. E ele investiu pesado.

Crédito da imagem: Rex Features Archives

Pra começar, o filme é adaptado de um livro. Psicose foi escrito por Robert Bloch, publicado originalmente em 1959 e inspirado num caso de assassinatos famoso na época, o caso Ed Gein, conhecido como o assassino de Wisconsin. Quando Alfred Hitchcock leu o livro, no ato comprou os direitos para filmá-lo e mandou comprar todos os exemplares à venda em todas as grandes cidades do país, para que ninguém soubesse o final da história. O protagonista da história se tornaria no futuro um verdadeiro clichê do cinema, um clichê muito eficiente, diga-se: o assassino esquizofrênico, travestido, sedutor e violento. Isso sem falar da icônica cena do chuveiro.

Crédito da imagem: Silverscreen Archives

Por ser um filme independente, com orçamento reduzido, tudo foi feito a toque de caixa, além do mais, Hitchcock não entregou o roteiro todo de uma vez na mão dos atores, e filmava as cenas sem muitas repetições, para captaras reações mais naturais possível dos atores ao se depararem com as cenas. O filme todo foi filmado em 6 semanas, tempo curtíssimo para os padrões de Hollywood. Todas as cenas foram filmadas de bate pronto, no máximo com três ou quatro takes. A exceção foi a cena do chuveiro, que levou uma semana para ser concluída. Provavelmente Hitchcock tinha consciência que aquela cena seria o ponto alto do filme.

Marion Crane, a personagem interpretada pela atriz Janet Leigh, era uma mulher insatisfeita com a vida, trabalhava num pequeno escritório e tinha um amante, com quem não podia se casar. Quando ela consegue algum dinheiro, combina com seu amante que fujam para finalmente se casar. É nessa fuga que ela vai parar no Bates Motel, um hotelzinho fuleiro de beira de estrada, gerenciado por Norman Bates, um homem simples, que vive sob os caprichos de sua velha mãe. Marion é a protagonista do filme. E, passada apenas meia hora do início do longa, ela é morta a facadas no chuveiro. Além da cena ser icônica, era novidade no cinema uma personagem principal morrer tão cedo, aliás, de maneira geral, personagens principais raramente morriam. Os cortes rápidos, tensão, uma trilha sonora inacreditável, closes e ângulos fechados, fizeram da cena do chuveiro a cartilha que todos os filmes de suspense e terror até hoje seguem.

A extensa filmografia de Alfred Hitchcock é permeada de filmes brilhantes, como os que já foram citados aqui. Não é à toa que ele é conhecido como o mestre do suspense. Hitchcock mudou o jeito de se fazer e de se consumir cinema. Para se ter ideia, antes de Psicose, era muito comum as pessoas entrarem numa sala de cinema com o filme já pela metade, aí a pessoa voltava em outra sessão para ver do começo e ia embora  quando entrava a parte que já tinha visto. Ou seja, era um entra e sai dos infernos durante a sessão. Os primeiros cartazes de divulgação de Psicose traziam uma foto do próprio Hitchcock informando que ninguém deveria entrar na sala de cinema se o filme já tivesse começado, além de instruir os donos de cinema a impedirem que isso acontecesse, para que as pessoas tivessem a experiência completa.

Enfim, Hitchcock foi um cineasta genial, uma dos maiores nomes do cinema, cultuado até hoje. Por isso ele tem tudo a ver com a Strip Me, um cara que representa o encontro entre o entretenimento (diversão) e a arte, com personalidade e sem barreiras para a criatividade.

Vai fundo!

Para ouvir: Já que o filme mais famoso de Hitchcock é Psicose, preparamos uma playlist com 10 canções sobre psicopatas, esquizofrênicos e malucos em geral. Curte aí esse Top 10 Psycho Tracks!

Para assistir: Lógico que toda a obra do Hitchcock é mai que recomendada e está espalhada por aí, em plataformas digitais, boxes de DVDs e blurays e etc. Então, vamos recomendar o ótimo filme Hitchcock, lançado em 2012 e que conta a história da produção de Psicose com um elenco matador (com o perdão do trocadilho). Hitchcock é interpretado por Anthony Hopkins, Helen Mirren interpreta Alma, a esposa do diretor e Scarlett Johansson interpreta Janet Leigh. A direção é de Sacha Gervasi e é um filme mais que recomendado.

Para ler: A excelente editora Darkside, especializada em literatura de terror e livros com um acabamento e concepção gráfica invejáveis, relançou Psicose, o livro de Robert Bloch lançado originalmente em 1959, numa edição lindíssima. Além do livro ser uma delícia de se ler e ter muito mais detalhes sórdidos dos crimes do que no filme, tem uma capa linda. Um livro que vale a pena ler e ter em destaque na estante.

Imunização Racional

Imunização Racional

É muito famoso o episódio em que os Beatles, entre outros artistas famosos, foram até Rishikesh, na Índia, para um retiro espiritual baseado nas tradições hindus de meditação. A estadia dos Beatles por lá acabou mal, numa situação que já apareceu em tantas versões diferentes, inclusive por parte dos rapazes de Liverpool, que ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Supostamente, o guia espiritual Maharish Mahesh Yogi, que era muito admirado por todos e se dizia casto e livre de pensamentos mundanos e das drogas ou sexo, havia tentado abusar sexualmente da atriz Mia Farrow durante o retiro. Lennon e Harrison se revoltaram e foram questionar o guru. Após da discussão, os Beatles abandonaram o retiro acusando o Maharish de ser mentiroso, de se fazer valer da fama da banda para se divulgar e etc. Isso aconteceu em 1968. No início dos anos 1970, quando os Beatles se separaram, essa história já era conhecidíssima em todo o mundo. Mas aparentemente, o cantor brasileiro Tim Maia, se soube dessa história, não prestou muita atenção. Ainda bem.

Crédito: Imagem de Divulgação do artista

Em 1974 Tim Maia já tinha 3 discos de sucesso estrondoso no currículo. Mas além de ser conhecido pela música, Tim Maia também era famoso por ser um puta louco, que não media esforços para consumir uma dieta farta em comidas altamente calóricas, muito álcool, nicotina e todo o tipo de drogas imagináveis. Naquele ano, em uma de suas costumeiras visitas a seu amigo Tibério Gaspar, Tim Maia, que estava viajando de mescalina, viu jogado na sala de Tibério um livro. Ele pegou e começou a folhear, se interessou, levou pra casa e o leu inteiro. Por alguma razão desconhecida, aquele livro fez todo o sentido na cabeça de Tim. O livro era O Universo em Desencanto .

Crédito: Acervo da família

Pra resumir, esse livro dizia o seguinte: Nós, humanos, não somos originalmente da Terra. Somos do planeta Racional Superior, e estamos exilados na Terra. Aqui estamos animalizados, sujos e magnetizados por forças negativas. Todos precisamos alcançar a imunização racional, que só pode ser alcançada lendo e seguindo os ensinamentos do livro O Universo em Desencanto. Uma vez imunizados, estaremos prontos para que os discos voadores venham nos buscar e nos levar para nosso planeta de origem. Só mesmo o Tim Maia louco de mescalina pra cair numa patacoada dessa! Mas ele não só caiu, como forçou toda a sua banda a entrar na mesma onda. Dali por diante, todo mundo só poderia usar roupa branca, porque muitas cores nos magnetizam, ninguém mais pode beber, fumar, cheirar, fazer sexo sem fins de reprodução e nem comer carne vermelha.

Crédito: Imagem de divulgação do artista

Claro que a banda não gostou nada da brincadeira. Mas, a princípio, todo mundo  fingia que estava seguindo tudo direitinho, porque eles estavam produzindo um som inacreditável. Tim Maia vinha de um fim de relacionamento que o devastou, mas o deixou muito criativo. Além do mais, ele estava ouvindo feito louco Curtis Mayfield, Isaac Hayes, Sly & Family Stone… e produzindo canções inspiradíssimas, influenciadas por essa turma. Quando pintou o lance Racional, Tim Maia simplesmente pegou essas canções incríveis que tinha escrito, colocou letras falando única e exclusivamente sobre imunização racional e o O Universo em Desencanto. Gravou assim o Tim Maia Racional. Com o disco pronto, Tim levou até sua gravadora para que fosse prensado e distribuído. Óbvio, que a gravadora não aceitou. Todo mundo admitia a qualidade musical da bolacha, mas as letras das músicas  faziam do disco um suicídio comercial. Tim Maia, então, abandona a gravadora, cria seu próprio selo, a Seroma Discos, e lança de forma independente Tim Maia Racional Vol1 e Vol2. Vale dizer também que, sob a filosofia Racional, Tim Maia parou de beber, fumar, usar drogas e comer carne vermelha. Ele emagreceu e sua voz ganhou uma potência e brilho assustadores. A performance vocal dele nessa época é de arrepiar.

Acontece que esse papo chato de imunização racional era dose mesmo. Ninguém aguentava. Mas o Tim Maia trabalhava incansavelmente em prol da causa Racional. Mas a vida dele só piorava. Ele estava sem dinheiro, a mulher o abandonou (de novo), estava sem gravadora, os músicos estavam de saco cheio e também ameaçavam deixar a banda… até que em setembro de 1975, já há um ano insistindo nessa maluquice, Tim Maia acordou com uma puta vontade de comer uma picanha mal passada, tomar cerveja e fumar um baseado (não necessariamente nessa ordem). Foi ter uma conversa com o guru da parada, o seu Manuel Jacintho Coelho, ninguém sabe o que exatamente foi dito, mas Tim Maia saiu de lá irritado, foi pro seu apartamento, botou fogo na suas roupas brancas, mandou quebrar todos os discos que ainda não tinham sido vendidos e, peladão, enquanto suas roupas pegavam fogo, gritava da sua janela um caminhão de palavrões dirigidos ao guru Racional.

Crédito: Imagem de divulgação do artista

A vida voltou ao normal, Tim Maia na sua dieta de sempre, voltou a compor canções pop de altíssimo nível e acabou transformando seus discos da fase Racional em verdadeiras relíquias da música brasileira. Como ele ficou puto (com razão) com tudo que aconteceu, nunca mais falou no assunto e deu fim nos discos, que se tornaram raríssimos. Depois da morte de Tim Maia em 1998, os dois discos da fase racional foram redescobertos, viraram cults e os poucos discos existentes começaram a aparecer sendo vendido por mais de 2 mil reais. Mas não acaba aí. Ninguém sabia, mas estava guardado num estúdio pequeno no Rio o Tim Maia Racional Vol3. As fitas foram gravadas pouco antes de Tim Maia deixar a seita e ficaram guardadas nesse tal estúdio porque Tim Maia não havia pago pelas horas de gravação, e o dono não liberou as gravações pro Tim. Em 2011 o músico e produtor carioca Kassim pegou esse material bruto, deu um talento e disco foi finalmente lançado.

Crédito: Sonia D’Almeida

O que a gente mais precisa nos dias de hoje é imunização. E quem precisa ser racional são os governantes. Mas tá difícil, né. Enquanto a nossa imunização não chega (sem falar na racionalidade do governo), o jeito é esperar de boa. Vai que a Cultura Racional tá certa e a gente acaba vendo algum disco voador por aí. Aliás, não sei se você sabe, mas na música mais famosa dessa fase, a clássica, Imunização Racional (Que Beleza), Tim Maia não canta meros “uh uh uh, que beleza”. Mas sim ele canta “UFO UFO UFO, que beleza”. Pega pra ouvir com calma, com o fone de ouvido que você vai se ligar. Por essa nem o Fox Mulder esperava, hein… então a gente finaliza por aqui. A verdade está lá fora. De máscara, claro.

Vai fundo!

Para ouvir: Aquela playlist imunizada no capricho! Selecionamos o que há de melhor nos 3 volumes do Tim Maia Racional. Um Top 10 Tracks Tim Maia Racional.

Pra ler e assistir: Não dá pra deixar de recomendar a biografia do Tim Maia escrita de forma deliciosa pelo Nelson Motta. Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia é um livro sensacional que conta todos os causos, a obra e a trajetória da vida do Tim Maia. E o filme Tim Maia, lançado em 2014, dirigido pelo Mauro Lima tem o roteiro adaptado do livro do Nelson Motta. E, olha, o filme tá disponível no catálogo da Netflix.

Perfil Collab STM: Adão Iturrusgarai

Perfil Collab STM: Adão Iturrusgarai

Não tem nada mais controverso, apaixonante, provocante e original do que o humor!  Pode se teorizar em cima o quanto for, tentar impor limites, regras… o humor de verdade só funciona quando incomoda, quando te faz rir e pensar ao mesmo tempo. Exemplo disso é a obra inteira do Adão Iturrugarai. Cartunista, roteirista, escritor e artista visual, sempre com um pé na comédia, quando não com o corpo todo. Não é à toa que um artista desse naipe faz parte dos collabs da Strip Me.

O Adão nasceu em Cachoeira do Sul, cidade gaúcha localizada no centro do estado, na região conhecida como Depressão Central, onde o relevo é de baixa altitude. Inserido em plena depressão central, Adão não viu outra opção senão ser humorista e contrariar tudo que estivesse ao seu alcance. Pra ajudar ainda tinha o rock n’ roll, que também servia de incentivo a rebeldia. Adão achou no desenho a sua voz, e desenhava em tudo quanto é lugar. Calçadas, muros, paredes do banheiro da escola… às vezes até numa folha de papel. Tudo isso de caso pensado, sabendo que ia incomodar.

As primeiras referências vieram do legendário Pasquim com seu humor crítico e os desenhos do genial Henfil. Mas a parada mudou mesmo quando tomou contato com o Angeli, Laerte, Glauco… aquela geração de artistas que realmente revolucionou o cartum brasileiro. Com eles, vieram as obras de Robert Crumb e Gilbert Shelton, e Adão realmente achou seu caminho. Claro, tudo isso misturado ao rock n’ roll e ao cinema, que já era uma paixão, aqueles filmes franceses da nouvelle vague e tal. Tudo isso moldou um artista de personalidade forte e muito plural. Tanto que, além do desenho, Adão já trampou como roteirista em programas como o divertido TV Colosso e o ótimo Casseta e Planeta, ambos na Globo dos anos 1990.

Mas o Adão é conhecido mesmo pelos desenhos. Criou personagens emblemáticos como a dupla Rocky & Hudson, cowboys gays que precederam o famoso filme Brokeback Mountain, e a Aline, uma mocinha bem libertária, pra dizer o mínimo. Nos anos 1990 chegou a editar uma revista, além de participar de publicações como a Chiclete com Banana, do Angeli. Ah, inclusive ele participou como um quarto amigo no clássico trio Los Tres Amigos (Angel Villa, Laerton y Glauquito). De lá pra cá, seus cartuns, charges e tiras ilustram publicações brasileiras e de vários outros países na América Latina e Europa.

E foi essa mistura de inquietação, cultura pop, rebeldia e rock n’ roll que ligou o Adão Iturrusgarai com a Strip Me. Sempre ligado em ícones pop, Adão sempre curtiu fazer releituras de obras famosas e capas de discos, desenhos que funcionaram perfeitamente como estampas de camisetas. Depois de recriar capas de discos como Nevermind, Velvet Underground and Nico, Goo, entre outros, Adão viu que o Abaporu dava pano pra manga. Aí vieram várias versões incríveis e divertidíssimas deste ícone do modernismo antropofágico brasileiro. Aliás, total antropofágicas artisticamente essas versões do Adão.

O Adão é um baita artista massa, que a Strip Me se orgulha demais de ter como collab. Com certeza um dos cartunistas mais importantes do Brasil, criativo e questionador, que deixou para trás a depressão central em que vivia quando jovem, para hoje desfrutar de caminhadas matutinas, onde seu cérebro incansável fervilha de ideias que serão colocadas no papel ou não). Pra conhecer o trampo do Adão além das estampas da Strip Me, você pode acessar o site dele que tem muito conteúdo legal e também o Instagram.
iturrusgarai.com
@adaoiturrusgarai

Vai fundo!

Para ouvir: Claro que a playlist deste post foi concebida pelo próprio Adão. E como o bicho é do contra, acabou selecionando 11 canções, ao contrário das costumeiras 10 tracks. Mas tudo bem, a gente acabou liberando diante das ótimas escolhas que ele fez. Confere aí o Top 10+1 tracks do Adão.

Caetano Veloso

Caetano Veloso

O Caetano Veloso é um dos artistas mais surpreendentes do cenário musical brasileiro. Não é exagero, é fato. Porque a verdade é que poucas pessoas conhecem a obra e a vida do Caetano com profundidade suficiente. De maneira geral, as pessoas conhecem fragmentos dele. E são muitos fragmentos! Há quem o conheça por suas canções mais famosas, como Sampa, Leãozinho, Você é Linda e etc. Uma turma mais descolada, conhece o Caetano tropicalista e vanguardista dos discos Transa e Araçá Azul. A turma menos ligada em música e mais conservadora, conhece ele por seu polêmico casamento e seu posicionamento político. E a turma mais nova, que já nasceu com a internet na ponta dos dedos, talvez não conheça nada de sua vida e obra, mas o conhece pelo já clássico meme “Você é burro, cara.”. Sem falar que é um artista tão emblemático que seu nome já virou verbo, desde muito criança tinha um gosto musical inusitado, ajudou a conceber e divulgar o axé music e o carnaval dos trios elétricos de Salvador, já fez um disco à partir de uma improvável inspiração numa barulhenta banda alternativa norte americana… olha, é tanta história!

Caetano Veloso (1967)

Caetano Emanuel Vianna Teles Veloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, interior do estado da Bahia, no dia 07 de agosto de 1942. Filho de José Veloso e Dona Canô. foi o quinto dos sete filhos do casal.  Quando Caetano tinha 4 anos, sua mãe deu a luz a uma menina. Os pais então pediram para que cada um dos 5 irmãos da recém nascida escolhesse um nome, que seria, cada nome, escrito num papel e depois sorteado igual amigo secreto. Na época, Caetano, mesmo muito novinho, já escutava muito rádio e adorava os boleros sofridos que faziam sucesso na voz de Nelson Gonçalves. Uma desses boleros era a canção chamada Maria Bethânia. O garoto adorava a música e escolheu aquele nome para sua irmã. Acabou que foi este o nome sorteado pelo pai. Maria Bethânia acabou se ligando a música e se tornou uma das cantoras mais respeitadas do país no futuro.

Transa (1972)

Caetano Veloso cresceu ouvindo Nelson Gonçalves, Luis Gonzaga e Orlando Silva. Aos dez anos já fazia aulas de piano e começou a alimentar a ideia de viver de música. Com 16 anos foi um dos tantos jovens impactados pelo revolucionário disco Chega de Saudade, de João Gilberto. Em 1965 conheceu Gilberto Gil e Gal Costa. Um ano depois passou a participar dos festivais de música com suas composições e se ligar a outros músicos como Tom Zé, Rogério Duprat e Os  Mutantes. Nascia assim o Tropicalismo, movimento bicho grilagem dos trópicos que já foi contado em detalhes aqui. Nessa mesma época, Caetano se encantava com o carnaval de rua de Salvador, com seus blocos que misturavam tradições africanas com instrumentos contemporâneos. Essa música diferente era tocada em carros de som, depois chamados trios elétricos. Dodô e Osmar desenvolveram a guitarra baiana, uma guitarra de tamanho reduzido, uma espécie de cavaquinho de corpo maciço e com captadores, que protagonizavam os grupos. Um dos trios mais famosos era o dos Novos Baianos. Encantado com essa festa toda, Caetano compõe a famosa Atrás do Trio Elétrico, um dos sucessos do seu terceiro disco, lançado em 1969. A toada empolgante e melódica de Atrás do Trio Elétrico iria contagiar jovens como  Luiz Caldas, que iriam tornar o carnaval da Bahia nacionalmente famoso e dar início ao movimento que ficaria conhecido como Axé Music na década seguinte.

O tropicalismo já deixava claro que Caetano tinha em seu dna o rock n’ roll, ainda que não fosse um gênero presente em sua formação musical, mas que foi incorporado com muita naturalidade ao conviver com músicos tão diferentes. Em 1969 Caetano e Gil foram presos e exilados. Acabaram indo para Londres, onde ficaram até 1972. Na capital inglesa Caetano gravou dois discos: Caetano Veloso, lançado em 1971 e Transa, lançado em 1972. Em ambos os discos, se misturam letras cantadas em inglês e português, além de muitas referências  do rock e pop, influências que permaneceriam e dariam as caras ao longo de toda a obra futura do compositor. O disco Transa inicia uma fase que é considerada por muitos a mais inspirada de Caetano, que se estende até 1977. Neste período estão, além de Transa, os discos Araçá Azul, Qualquer Coisa e Jóia.

Bicho (1977)

No fim dos anos 1970 e começo os 1980, Caetano se reinventa, monta uma banda de apoio nova e incorpora sonoridades modernas, do pop e discothèque. Por isso foi muito criticado, mas lançou ótimos trabalhos, sem deixar de lado a brasilidade que faz parte de sua personalidade. Tanto é que é nessa época que foram lançados alguns de seus maiores sucessos, a dançante Odara e a bossanovista Sampa. Nos anos 1990 mais uma virada. A gravadora passou a insistir que ele gravasse um disco com suas músicas vertidas ao espanhol, para alcançar o púbico latino, Caetano se recusa, preferindo gravar um disco dedicado a este público somente com músicas latinas de compositores latinos, canções que ele sempre gostou. É lançado então Fina Estampa em 1994, disco com músicas belamente arranjadas por Jacques Morelenbaum. Uma das canções gravadas nessa fase entrou na trilha sonora do ótimo filme Fale com Ela, do Almodóvar. Em 2009 Caetano dá outra guinada em sua carreira. Passou a tocar com jovens de vinte e poucos anos, amigos de Moreno Veloso, um de seus filhos. Em uma noite, um desses rapazes colocou pra tocar um disco dos Pixies enquanto todos batiam papo na sala. Caetano pirou no disco e quis fazer um disco mais rock n’ roll, lançando naquele ano o esquisito disco Zii & Zie.

Tá vendo, é muita história que esse cara tem. Um baita compositor, sempre se reinventando e influenciando muita gente! Um dos artistas que mais foi influenciado pelo Caetano foi o músico e compositor Djavan, que acabou o homenageando de maneira inusitada, transformando o nome do baiano num verbo. Trata-se da música Sina, um dos maiores sucessos de Djavan, que contém os versos “Virá lapidar o sonho até gerar o som. Como querer caetanear o que há de bom”. Claro, vale dizer que Djavan rivaliza de igual para igual com Jorge Benjor quando se trata de escrever letras de música que não fazem o menor sentido. Mas enfim, não deixa de ser uma homenagem do Djavan ao Caetano. Da mesma maneira, não dá pra negar que Caetano deu algumas bolas fora ao longo de sua trajetória. Afinal, não dá pra aguentar a melosa e breguíssima Sozinho, bem como a interpretação sofrível que ele fez para Come As You Are, do Nirvana, no disco A Foreign Sound, de 2003.

Zii & Zie (2009)

Mas Caetano Veloso é um baita artista, que merece ser reverenciado por tudo que já fez na música brasileira. Com certeza conhecer cada um dos seus fragmentos, suas fases e sua obra por inteiro vai te surpreender mais do que você imagina!

Vai fundo!

Para ouvir: Uma playlist cremosa com o que há de melhor de cada fase do Caetano Veloso! Confere lá nossa playlist Caetano Veloso – Top 10 tracks.

Para assistir: A história do envolvimento do Caetano com o carnaval da Bahia e os trios elétricos é muito bem retratado no excelente documentário Axé: Canto do Povo de um Lugar, lançado em 2016 e dirigido por Chico Kertész. Além da relação de Caetano com o axé, o doc é interessantíssimo e oferece uma perspectiva profunda sobre o tema. Tem na Netflix e eu recomendo demais.

Para ler: Um dos principais cronistas da música popular brasileira entre as décadas de 1960 e 1980 é o jornalista Nelson Motta. Entre tantos livros que ele escreveu, o Noites Tropicais é o meu favorito. Uma coletânea de crônicas e memórias do autor sobre os mais inacreditáveis, engraçados e curiosos acontecimentos do mundo musical. O livro é da editora Ponto de Leitura e foi lançado em 2009. Leitura agradabilíssima e enriquecedora.

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