O começo da história até que é comum aqui no Brasil. Um garoto negro, nascido na favela em meio a muita pobreza e apaixonado por futebol consegue vencer na vida e ser mundialmente reconhecido. Acontece que a história que vamos contar hoje não se passa no Brasil e, apesar de realmente apaixonado por futebol, esse garoto negro venceu na vida através da música e de um estilo de vida que, até então, o mundo desconhecia. Hoje vamos relembrar a história de um dos maiores ícones da cultura pop dos século XX: Bob Marley, que no dia 11 de maio deste ano completou 40 anos de sua morte.
A história do Bob Marley é muito interessante, cheia de passagens curiosas. Pra começar, ele cresceu em Trenchtown, a maior favela de Kingston, capital da Jamaica. Lá, com apenas 5 anos de idade o pequeno Marley levantava uma grana lendo a mão das pessoas na rua. Claro que devia ser uma baita enrolação, mas já demonstrava que era um garoto com muito carisma para lidar com as pessoas. Um tempo depois, a mãe de Bob, que já não estava mais com o pai dele, passou a viver com um homem que tinha um filho chamado Neville Livingston, que tinha a mesma idade e de cara ficou amigão do Bob. Os dois moleques não se largaram mais e passaram a dividir uma grande paixão: ouvir rádio e cantar suas músicas favoritas. Já na juventude, Neville adotaria o apelido pelo qual ficou conhecido mundo afora: Bunny Wailer.
Adolescentes, Bob e Bunny viviam procurando diversão e conheceram um grupo vocal ali mesmo, em Trenchtown, e passaram a andar com aquela rapaziada. E acabaram se tornando muito amigos de um desses rapazes, um certo Peter Tosh. Pirando no dubstep, rocksteady e ritmos caribenhos como o calipso, que dominavam a Jamaica nos anos 1960, o trio montou a banda The Wailing Wailers, conseguiram gravar dois ou três compactos que tiveram uma aceitação local muito boa. Tanto é que os caras resolveram arriscar trocar de ilha, saindo da Jamaica e indo para a Inglaterra. Ali, ironicamente, iriam acabar entrando na gravadora Island Records. Mas não foi moleza.
Na Inglaterra, eles fizeram uma tour morna, que não rendeu muita grana. Na real, mal se pagou. Tanto é que a banda se viu ali sem sequer ter grana pra voltar para a Jamaica. Foi quando conheceram um produtor tido como malandro na cena musical londrina chamado Chris Blackwell. Blackwell era dono da Island Records e tinha revelado o primeiro grande nome do reggae, Jimmy Cliff. Acontece que Cliff tinha acabado de sair da Island para assinar com uma grande gravadora. Blackwell viu naqueles jamaicanos, principalmente no carismático Bob Marley, seu novo Jimmy Cliff. Ele ofereceu o seguinte acordo para os rapazes. Ele pagava a passagem de volta deles para a Jamaica. Mas em troca, antes de partir, eles gravariam um disco, que Blackwell lançaria pela Island. Foi assim que surgiu um dos maiores clássicos do reggae, o disco Catch a Fire.
Importante dizer que na época dos Wailing Wailers na Jamaica, a banda interpretava canções de amor sem muito conteúdo. Mas, pouco antes da viagem para a Inglaterra, ainda com uns 18, 19 anos de idade, Bob Marley se converteu ao Rastafari. Uma seita religiosa criada na própria Jamaica, com base nas raízes dos negros etíopes, e que tinham a maconha como erva sagrada. Após sua conversão, Bob Marley passou a escrever canções que professavam sua fé, cantando sobre os principais valores do Rastafari, a igualdade, pureza, e amor. Bob Marley, Bunny Wailer e Peter Tosh realmente abraçaram a causa rasta, inclusive se tornando veganos, não consumindo álcool e nem tabaco, bem como drogas sintéticas. Desta forma, o disco Catch a Fire já veio envolto numa densa névoa de maconha, literalmente, e de canções incríveis! Nessa época, a banda já se apresentava com o nome mais enxuto: The Wailers. Eles cumpriram sua parte no acordo com Blackwell, gravaram o disco e voltaram pra casa. Na Inglaterra, Blackwell se ligou que tinha uma pérola nas mãos e lançou o disco com uma alteração muito marcante, sem consultar a banda. O disco saiu em 1973 sob o nome Bob Marley and The Wailers. E, tal qual a fumaça do cigarrinho de artista da banda, a canção Stir It Up foi pras cabeças e alavancou a venda do disco. Bob Marley and The Wailers começavam a ganhar fama internacional.
Impulsionados pelas boas vendas na Inglaterra, a banda foi tentar a sorte nos Estados Unidos. Lá caíram nas graças da turma da música negra que dominava o começo dos anos 1970 e acabaram sendo contratados como banda de abertura dos shows da Sly and the Family Stone. Acontece que a turnê não durou mais que dez shows. De cara, o show de Bob Marley and The Wailers passou a ofuscar a atração principal. Muita gente pirava no show de abertura e acabava não dando muita bola para a Sly and the Family Stone. Resultado, tour cancelada para os jamaicanos. Mas tudo bem. Eles fizeram alguns shows por conta própria e começaram a fazer seu nome em solo ianque. Enquanto isso, a banda já começava a se estranhar. Esse negócio de Bob Marley and The Wailers pegou mau pro Bunny Wailer e pro Peter Tosh. Ego inflado + grana entrando. Já viu, né? De qualquer forma, a banda continuou produzindo. Ainda no final de 1973 a banda lança o segundo disco, Burnin’. O disco que fez realmente tudo mudar. Este disco caiu nas mãos de Eric Clapton, que chapou no som e acabou regravando I Shot the Sheriff. Foi quando o nome de Bob Marley se tornou conhecido mundialmente.
Daí em diante, foi só ladeira (e fumaça) acima. Claro que o trio fundamental, Marley, Wailer e Tosh, se dissolveu em meio a muita treta. Bob Marley, malandramente, acabou mantendo o nome Bob Marley and The Wailers em seus discos, mesmo sem Bunny Wailer e Peter Tosh. Entre 1973 e 1981 foram 11 discos lançados, todos com sucesso estrondoso no mundo todo. Bob Marley se tornou um proeminente ativista pelos direitos humanos e pela paz, tendo sido inclusive baleado num atentado na Jamaica. Mas não foi isso que o matou, mas sim sua teimosia. Em 1977 ele machucou o pé jogando futebol. Ficou com uma ferida feia no dedão do pé. Ferida essa que ele não cuidou. Talvez ele tenha esquecido… Enfim. Só em 1980 que foi atrás de saber porque aquele machucado no dedo não sarava nunca. Acabou sendo diagnosticado com um raro melanoma. A solução era amputar o dedo. Mas Bob não topou. Temia que isso prejudicasse sua performance no palco, onde ficava em pé e dançava por horas. Além do mais, a crença rasta valorizava muito o corpo, e uma amputação ia contra esses conceitos.. No fim, o tal melanoma evoluiu para um câncer que se espalhou pelo corpo de Marley e acabou o matando em 11 de maio de 1981.
Vamos finalizando, porque esse texto já está enorme. Uma pena, porque a vida do Bob Marley é cheia de histórias incríveis e interessantes. Desde o atentado que ele sofreu na Jamaica por querer fazer um show gratuito para apaziguar os ânimos políticos do país, até sua breve passagem pelo Brasil onde teve seu visto de trabalho negado pelos militares e jogou uma pelada com Chico Buarque, Alceu Valença e Moraes Moreira. Sem falar que ele espalhou pelo mundo o reggae como forma de música de protesto, que foi incorporada pelos punks ingleses, em especial o The Clash. Mas quem sabe essas histórias não pintam por aqui numa outra oportunidade, né? Afinal, o Bob Marley tem tudo a ver com tudo que a Strip Me mais acredita e ama: Engajamento, personalidade, diversão e arte!
Vai fundo!
Para ouvir: Claro, uma playlist delícia com o que há de melhor na obra do Bob Marley, mas dando aquela desviada das obviedades. Top 10 tracks do Rei do Reggae.
Para assistir: Eu sei que não tem tanto a ver com o Bob Marley em si, mas eu acho que é um filme tão divertido e que traz tanto dessa aura jamaicana, além de ser um filme muito subestimado. Estou falando de Jamaica Abaixo de Zero, filme lançado em 1993 sobre a improvável equipe de trenó que disputou as Olimpíadas de Inverno do Canadá de 1988.
Para ler: O ótimo livro No Woman No Cry – Minha vida com Bob Marley, escrito pela esposa de Bob, Rita Marley e lançado no Brasil em 2019 pela editora Belas Letras. Uma narrativa detalhada e fluente sobre a trajetória de Bob Marley, tanto pessoal como profissionalmente.