Originalidade e criatividade nunca forma o forte da Inglaterra, já reparou? Pensa bem, desde a idade média a gente vê despontando grandes gênios da pintura, da música, da literatura a maioria deles italianos, alemães, espanhóis… mas ingleses quase não se vê. É um país tão sem originalidade que o prato mais tradicional da culinária deles é peixe frito com batata frita. Entretanto, há e ser dito: o que eles não tem de originalidade, tem de sobra o poder de rápida assimilação e desenvolvimento. Não foram eles que inventaram o tear, mas foram eles que o desenvolveram para produção em larga escala e iniciando a Revolução Industrial. Não foram eles que inventaram o rock n’ roll, mas foram eles que o elevaram ao patamar de arte com Beatles, The Who, Bowie, Led Zeppelin…
Claro, existem exceções. A música negra, de maneira geral, os ingleses absorveram rapidamente, mas não foram capazes de superar os criadores do soul, do jazz e do reggae. Bob Marley, Isley Brothers, Jimmy Cliff, James Brown, Aretha Franklin, Coltrane, Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, são todos artistas respeitadíssimos na ilha da rainha, influenciaram muita gente, mas ninguém chegou perto deles em genialidade e qualidade artística. Pelo menos assim foi até 2003.
Em outubro de 2003 foi lançado o disco Frank, álbum de estréia de Amy Winehouse, até então uma cantora desconhecida que se apresentava em pubs de Londres e impressionava todo mundo com sua voz incrível, presença de palco gigantesca e ótimas melodias que ela mesma compunha. Além disso, Amy revitalizava o jazz e os standards norte americanos. Era um Cole Porter de saias, em pleno século XXI respeitando o passado, mas flertando com o moderno R&B e novas tendências musicais. Era uma artista brilhante a ponto de explodir. E ela explodiria em muitos sentidos.
Amy Jade Winehouse nasceu em Londres no dia 14 de setembro de 1983. Ela vinha de uma família simples muito ligada à música. Sua avó paterna fora cantora de jazz e o pai era músico amador e tinha em casa uma vasta coleção de discos. Como vemos em muitas histórias de artistas geniais, a música sempre foi uma âncora para Amy, que teve desde cedo uma vida complicada. Seus pais se separaram quando ela tinha 6 anos de idade, fato que a desestabilizou muito. Adolescente, por volta de 14 anos, precisou tomar remédios controlados para ansiedade e, em seguida, já aprendeu os prazeres e excessos da vida boêmia, álcool, drogas… se distanciou da escola e se aproximou ainda mais da música.
Em 2001 Amy já tinha gravado uma demo que rodava entre os executivos de pequenos selos de Londres. Quem resolveu apostar na cantora foi a Island Records. Foi onde Amy conheceu o produtor Salaam Remi, que se tornaria seu parceiro de composições, amigo confidente e o responsável por lapidar o talento dela. Entre meados de 2002 e 2003 o disco Frank foi concebido e gravado. O disco não alcançou vendas muito altas, mas foi muito elogiado pela crítica e levou Amy Winehouse a um patamar acima das apresentações improvisadas em pubs. Ela entrou para um circuito alternativo de shows que trouxeram mais maturidade musicalmente, além de abrir muitas portas. Junto com o ritmo frenético de shows, após um ano do lançamento de Frank, Amy começou a ser cobrada por um novo disco. O que acabou a levando a um terrível bloqueio criativo. Seu primeiro disco era formado por canções muito pessoais baseadas nas desventuras conjugais de seus pais e de um relacionamento fracassado vivido por ela. Agora sua vida se limitava a tocar, fazer shows e cair na farra. Ela não tinha de onde tirar inspiração para compor. Até que em 2005, num pub no bairro de Camden, ela conhece Blake Fielder-Civil.
Foi paixão à primeira vista. Com Blake Amy começou uma relação tumultuada e muito intensa. Apesar de muitas brigas e desconfianças que ele tivesse outras mulheres, eram um casal muito ligado. Também foi com Blake que Amy conheceu realmente o lado negro da força e experimentou pela primeira vez heroína e crack. Aí você pensa: “Daí em diante foi só ladeira abaixo.”. Engano seu! Porque quando ela se afundou no vício, tentaram várias vezes interna-la em clínicas de reabilitação, as famosas rehabs. Ela já estava relutante, mas depois que seu pai disse a ela uma vez que ela não precisava se internar e podia tentar ficar limpa por conta própria, ela disse” Vocês querem que eu vá pra rehab, mas não não não.”. Sem falar que o tempestuoso relacionamento com Blake reacendeu a chama musical e Amy compôs várias canções. Morria assim o bloqueio criativo e nascia assim um clássico.
Photo By: Hedi Slimene Photo by: Blake Wood
No fim de 2006 Back to Black é lançado e o single Rehab se torna um hit avassalador mundo afora. Daí em diante, parece que o mundo em volta de Amy acelerou rumo ao inevitável. Tudo explodiu. O consumo cada vez maior de álcool e drogas faziam com que ela aparecesse em shows sem a menor condição de cantar, a fama lhe tirou a privacidade e ela era constantemente vista pelas ruas de Londres em frangalhos… tudo foi ficando insuportável. Em agosto de 2007 ela teve uma overdose e foi hospitalizada, em seguida, Blake Fielder-Civil foi preso após uma batida em sua casa onde foram encontradas quantidades consideráveis de várias drogas. A prisão de Blake só piorou as coisas para Amy. O tempo passava voando e ela foi perdendo shows, sem a menor condição de compor novas canções… e sua saúde se deteriorando a passos largos. Desde adolescente, Amy era bulímica, uma prática muito perigosa. O desequilíbrio agressivo da bulimia combinado ao excesso de álcool e drogas desgastou muito o organismo da cantora. Num piscar de olhos, cinco anos se passaram entre o lançamento de Back To Black e o dia 23 de julho e 2011.
Na manhã daquele dia 23 de julho de 2011, Amy Winehouse foi encontrada morta em sua casa, em Londres. Exames detectaram uma quantidade assustadora de álcool no sangue dela. Ela vinha tentado parar de usar drogas na época, mas continuava bebendo muito. Frágil por conta da bulimia, é possível que o excesso de álcool em seu organismo tenha feito seu coração parar de bater. Amy morreu dois meses antes de completar 28 anos de idade. Sendo assim, sua morte reacendeu aquela famosa conversa da maldição dos 27 anos, idade em que, coincidentemente, alguns dos mais importantes músicos do rock morreram, como Jimi Hendrix e Kurt Cobain.
Assim a boa e velha Inglaterra chegou ao século XXI confirmando sua expertise em gerar artistas que conseguem assimilar e ir além do que é feito fora da ilha. Amy Winehouse sintetizou o jazz, o R&B e a soul music numa linguagem nova e atraente; no melhor estilo antropofágico em que a Strip Me tanto se inspira, Amy Winehouse é uma das artistas mais geniais dos últimos 20 anos. Não poderíamos de jeito nenhum deixar os 10 anos de sua morte passar em branco. Preferimos sempre Back to Black.
Vai fundo!
Para ouvir: Todo mundo sabe que músicas como Rehab e Back to Black são maravilhosas. Por isso a gente elaborou uma playlist pra você ouvir um pouco mais do trampo da Amy Winehouse, além das músicas mais conhecidas. Top 10 tracks 10 anos sem Amy.
Para assistir: O documentário super intimista e bem elaborado, lançado em 2015 e dirigido por Asif Kapadia, intitulado, Amy, é simplesmente indispensável para quem quer conhecer e entender a carreira meteórica de Amy Winehouse. E pra facilitar a sua vida, esse doc está completinho e legendado no Youtube. É só clicar aqui.