Sujeira, anarquia, drogas, contestação, estética kitsch, faça você mesmo… e mais um pouquinho de sujeira. Certamente a década de 70 foi a mais insana da humanidade nos últimos dois séculos. E, sem dúvida, o filho pródigo dessa década é o movimento punk. Antes de mais nada, deixamos claro que, até pode ser que o punk enquanto música tenha surgido nos Estados Unidos, entre Detroit e New York. Mas a personificação, a estética e o lifestyle são todos originais da Inglaterra, e ninguém contesta. Tal qual o rock n’ roll, o punk nasceu nos Estados Unidos de maneira genuína e inequívoca, mas foi moldado e ganhou sua melhor versão na terra da finada rainha.
A Inglaterra do início dos anos 70 não ia nada bem. A economia ia mal, o desemprego estava altíssimo, havia conflitos por toda a parte, a Irlanda queimava sob os protestos do IRA e o então primeiro ministro, Edward Heath, era um conservador convicto, o que fazia da Inglaterra um país desigual, onde eram mantidas as aparências de uma sociedade de pompa, circunstância e moralismo. Só que essa sociedade era uma minoria aristocrata. Foi nessa época que a maioria dos grandes artistas da música, como Led Zeppelin, Rolling Stones, Rod Steward e tantos outros se mudaram de sua terra natal para fugir dos altos impostos. O rock n’ roll parecia ser uma boa saída para que jovens expurgassem suas frustrações e tédio através da música. Mas instrumentos e equipamentos eram caros para poder montar uma banda. Mas para alguns, havia uma solução.
Em 1972 um moleque de 17 anos chamado Steve estava entre as milhares pessoas no primeiro show de uma temporada que David Bowie faria no Hammersmith Odeon, em Londres, apresentando a turnê do disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Após o concerto, Steve ficou perambulando dentro da casa de show. Quando deu por si, o lugar estava vazio. Olhou para o palco e viu todo o equipamento da banda lá montado. Olhou em volta e não viu nenhum segurança. Pulou para cima do palco e se colocou no centro, na frente do microfone onde Bowie havia cantado, microfone este que ainda estava com uma mancha de batom, da maquiagem de Bowie. Tirou o microfone do pedestal, desconectou o cabo e colocou o microfone no bolso. Em seguida, olhou em volta. Pegou um carrinho e colocou um amplificador de baixo, pratos da bateria, mesa de som, mais microfones… e se mandou empurrando aquilo tudo rua afora. Foi com esse equipamento que ele montou sua primeira banda, The Strand, com seus amigos Paul Cook e Wally Nightingale.
O tal Steve era Steve Jones, um jovem vindo de uma família pobre e problemática. Analfabeto e inconformado aprendeu desde cedo a praticar furtos para satisfazer seus desejos, fosse comer um chocolate ou dar uma volta num carro esportivo. Não era violento, não assaltava e tal. Mas sabia como roubar sem ser percebido. Um dos lugares que ele frequentava para “pegar” algumas roupas era uma boutique descolada chamada Sex. Na real, seus furtos, de vez em quando, eram até notados, mas tolerados. O dono da boutique, Malcom McLaren, gostava do Steve e sabia que ele pegava roupas para dar estilo á sua banda. E McLaren já estava ligado no negócio do rock n’ roll fazia um tempo.
Malcom McLaren era um agitador cultural contestador. Com ideais anarquistas e uma vasta bagagem de arte de vanguarda, via nas bandas mais viscerais de rock um instrumento de protesto valioso. No início dos anos 70 esteve nos Estados Unidos, conviveu com a excêntrica turma de Andy Warhol e chegou a ser empresário da banda New York Dolls, uma das bandas seminais do punk novaiorquino. Quando retornou a Londres em 1975, McLaren se depara com uma safra de bandas que chamam a atenção pela crueza de seu som e por seus membros serem jovens pobres, da classe operária. Eram chamadas de pub rock bands, pois tocavam em pubs londrinos noite adentro canções autorais e covers que iam de The Kinks a Iggy Pop & The Stooges. Em uma dessas bandas, McLaren viu potencial para abalar não só a música pop, mas o establishment moralista da velha Inglaterra. Era a banda de Steve Jones, The Strand, que McLaren rebatizou de Sex Pistols e passou a empresariar.
A cena do tal pub rock estava realmente crescendo. A cada dia surgiam novas bandas. As duas principais e mais relevantes bandas até então eram Eddie and the Hot Rods e The 101’ners. Além deles, bandas como The Stranglers, Dr. Feelgood, Brinsley Schwarz, The Deviants e Doctor of Madness são todas bandas consideradas proto punks, assim como foram MC5, Television e The Modern Lovers nos Estados Unidos. Ou seja, o som das bandas, ao vivo nos pubs, cru, barulhento e longe do perfeccionismo do rock progressivo, vigente nas rádios, já era essencialmente punk. E é curioso notar que isso acontecia nos Estados Unidos e na Inglaterra ao mesmo tempo, sem que houvesse muito contato de uma cena com a outra.
O primeiro show dos Sex Pistols foi um divisor de águas. Eles tocaram numa festa da Saint Martin’s School Of Art no dia 6 de novembro de 1975, abrindo o show da banda Bazooka Joe’s. Um dos presentes naquela noite era o guitarrista da banda 101’ners. Ele ficou impressionado com a energia e com o tom crítico das letras das músicas, entendeu que sua própria banda deveria também mudar sua atitude. O guitarrista dos 101’ners em questão era Joe Strummer. E justamente sob este impacto do primeiro show dos Pistols, Strummer conhece dias depois Mick Jones, que tinha uma banda chamada London SS, e que já ensaiava algumas letras mais politizadas. Os dois se juntam e formam o The Clash. No ano seguinte, 1976, no dia 4 de julho, os Ramones se apresentam pela primeira vez na Inglaterra, tocando no Roundhouse, em Londres. Esse show foi histórico e marca a explosão do punk britânico. Quem viu aquele show e ainda não fazia parte de uma banda, saiu de lá e correu para montar uma. Todos dos Sex Pistols e The Clash estavam lá, bem como integrantes do The Damned, The Buzzcoks, The Pretenders e muitos outros.
Ainda em outubro de 1976 foi lançado o que se considera o primeiro single do punk britânico: New Rose/Help, do Dammed. Na sequência, em novembro, é lançado Anarchy in the UK. Os Sex Pistols ganham atenção da mídia e o punk se espalha por toda a Inglaterra. Em dezembro, a banda é convidada a se apresentar e ser entrevistada no programa de TV do jornalista Bill Grundy. O apresentador estava claramente incomodado com a aparência e comportamento de seus convidados. O clima era tenso. Os Pistols foram ao programa levando mais 4 amigos, entre eles, Siouxsie Sioux e Steven Severin, da banda Siouxsie and the Banshees. Durante a entrevista a tensão aumenta. Em certo ponto, depois de uma pífia comparação, claramente provocadora, de Grundy entre os Pistols e Mozart ou Beethoven, Johnny Rotten murmura algo como “”Era só a merda do trabalho deles.”. O programa era ao vivo, em horário nobre. E pela primeira vez na história da TV britânica alguém dizia a palavra “merda”. Mas, claro, era só o começo. Do meio para o fim da entrevista, todos já nervosos, após uma insinuação de Grundy para a Siouxie Sioux, Steve Jones dispara “You dirty fucker”. E o programa acaba. Não só merda, como fodido, foram as palavras ditas em horário nobre pela primeira vez na história da TV na Inglaterra.
No dia seguinte o jornal Daily Mirror estampa em sua capa a manchete The filth and the fury!, a sujeira e a fúria, com uma foto da banda e uma matéria sobre os Sex Pistols. Foi como jogar gasolina numa fogueira. A cena punk se espalha por toda a Inglaterra, bandas começam a surgir por todo o lado. Em 1977, considerado o ano do punk, alguns dos discos mais importantes do movimento são lançados, entre eles, Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols, o primeiro disco do The Clash, autointitulado, Damned Damned Damned, dos Damned, Stranglers IV (Rattus Norvegicus), dos Stranglers e Life on the Line, de Eddie and The Hot Rods. O punk estava oficialmente deflagrado na Inglaterra e faria história. Enquanto a cena punk de New York se contentava com os excessos de drogas e uma pretensa vanguarda artística, produzindo canções hedonistas sobre tédio e chapação, os ingleses traziam uma fúria incontrolável contra um sistema moralista e opressor, e uma crise econômica aguda.
Justamente por essa diferença, o punk como o conhecemos hoje, tanto na estética quanto na atitude, é o punk inglês, de moicano colorido, jeans rasgado, adereços fetichistas, alfinetes e sempre contra o establishment e qualquer tipo de repressão ou cerceamento de liberdades. Sobre as duas bandas mais importantes daquela época, os Sex Pistols lançaram um único disco e a banda se separou no ano seguinte. Steve Jones se tornou produtor musical, Johnny Rotten formou a banda Public Image e Sid Vicious, o baixista, morreu de overdose em 1979, após, supostamente, esfaquear sua namorada, Nancy Spugen. Já o The Clash teve uma carreira mais longeva. Joe Strummer e Mick Jones viviam entre os bairros de Notting Hill e Brixton, que abrigava uma grande comunidade de jamaicanos e operários. Não só suas letras eram mais políticas, como eles agregavam ao seu som elementos do ska e reggae. A banda lançou 6 discos entre 1977 e 1985, sendo que em 1979 lançam o seminal London Calling, em 1981 mais um disco fundamental, Combat Rock, e, em 1983, Mick Jones sai da banda, acabando com a parceria com Joe Strummer. O Clash se manteve com Strummer até meados de 1986, quandoa banda finalmente encerrou atividades. Em 2002 Joe Strummer e Mick Jones se reuniram novamente num show da banda The Mescaleros, de Strummer. Eles tocaram as canções White Riot e London’s Burning, tocando juntos no mesmo palco pela primeira vez desse 1983. Um mês depois deste show, Joe Strummer morreu, vítima de um ataque cardíaco. Mick Jones segue em atividade. Nos anos 80 montou a banda Big Audio Dynamite – BAD, banda de beat reggae dub, no fim dos anos 90 participou da banda Carbon/Silicon e também fez parte da moderninha banda virtual Gorillaz.
O punk foi uma verdadeira revolução cultural. Foi não. Ainda é! Não só mudou a música, dando luz a bandas tão empolgantes e diversas, como também mudou a moda, muito por conta do estilo visionário e anárquico de Vivienne Westwood, dona da boutique Sex, esposa de Malcom McLaren na época do surgimento dos Sex Pistols e até hoje uma estilista influente. Mas o mais importante, o movimento punk mudou o comportamento! Incentivou os jovens a agirem por conta própria, se informar e se posicionar por uma sociedade livre e plural. O punk faz parte da essência da Strip Me, uma empresa totalmente Do it Yourself! Então é claro que aqui você encontra camisetas de música com estampas relacionadas ao punk e muito mais, tudo com personalidade e muito estilo. Além de música, rolam camisetas de arte, cinema, cultura pop, comportamento e muito mais. Na nossa loja você conhece todas elas e ainda fica por dentro dos nossos lançamentos mais recentes.
Vai fundo!
Para ouvir: Playlist feroz com o mais puro e concentrado suco de punk britânico. UK Punks Top 10 tracks.
Para assistir: A série Pistol, disponível na Star+, é simplesmente maravilhosa e recomendadíssima! Lançada neste ano, a série retrata a trajetória dos Sex Pistols sob a ótica do guitarrista Steve Jones. A fotografia é incrível, as atuações são ótimas, o roteiro é muito bom e a trilha sonora é excelente! Vale a pena demais conferir! Ah, sim, e a direção é do Danny Boyle, diretor do clássico Trainspotting!
Para ler: Crescendo com os Sex Pistols: Precisa-se de Sangue Novo é um ótimo livro para conhecer a história dos Sex Pistols por uma ótica mais imparcial, já que rola muita divergência entre as versões de Steve Jones, John Lydon e Malcom McLaren. O livro foi escrito em parceria entre Alan Parker, cineasta e escritor, e o jornalista Mick O’Shea. Foi lançado em 2012 e é uma leitura muito agradável de uma história quase inacreditável!